23/09/2024 às 13h35min - Atualizada em 23/09/2024 às 13h35min

JCN faz entrevista exclusiva sobre intolerância religiosa, crime previsto em lei, reclusão de um a três anos e multa

Recentemente, a Lei nº 14.532/2023 acrescentou ao artigo 140 do Código Penal o parágrafo terceiro, que determina que, no caso do crime de injúria, se ela consistir na utilização de elementos referentes à religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência, a pena para o crime será de reclusão de um a três anos e multa.

Por Isa Machado
Victor Rafael Ribeiro Pereira, que atualmente trabalha na ritualística da umbanda e é o precursor com autonomia e procedência como intermediador espiritual
Através de registros históricos é possível entender que desde os primórdios existiu a intolerância religiosa no país, com  mudanças nas leis no decorrer do tempo, porém com pouca eficácia.
É fato que o respeito a todas as religiões são princípios básicos para haja harmonia entre os cidadãos e para que de fato exista uma democracia eficiente.
A intolerância religiosa é um termo que descreve a atitude mental caracterizada pela falta de habilidade ou vontade em reconhecer e respeitar práticas e crenças religiosas de terceiros, ou a sua ausência.
A intolerância religiosa é o ato de discriminar e ofender religiões, liturgias e cultos, ou ofender, discriminar e agredir pessoas por conta de suas práticas religiosas.
Apesar de não serem as únicas, as religiões de matriz africana são o alvo mais frequente de quem não respeita a liberdade de crença. Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos, só em 2022 foram 1.200 ataques - um aumento de 45% em relação a 2020
.
Uma lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornou mais severas as penas para crimes de intolerância religiosa. A punição agora é a mesma prevista pelo crime de racismo, quando a ofensa discriminatória é contra grupo ou coletividade, pela raça ou pela cor.
A expectativa é de que a nova lei ajude a punir quem comete crimes religiosos e ajude proteger a vítima, que muitas vezes não encontra amparo quando tenta fazer uma denúncia.
 
No intuito de conscientizar, informar e trazer à luz a importância tanto cultural, intelectual e moral dessas religiões, o JCN fez uma entrevista exclusiva com  Victor Rafael Ribeiro Pereira, que atualmente trabalha na ritualística da umbanda e é o precursor com autonomia e procedência como intermediador espiritual, para tratar o assunto. Confira abaixo a entrevista.
JCN - Você considera o Brasil um país preconceituoso quando se trata de religiões de matriz africana?
Victor -  No Brasil infelizmente se criou uma ideologia de que religião vertente de matriz África realiza a prática do mal. Pois bem, essa é uma ideologia extremamente preconceituosa, leiga e falta de aprofundar-se na riqueza que temos em cultura, culinária, dança e muito mais, aos quais nos orgulham muito. Cultura essa transmitida geração pra geração desde o tempo em que nossos ancestrais chegaram ao Brasil, traficados vindo a África para o trabalho escravo. Como muitos costumam dizer " negros são descendentes de escravos" mas, a realidade é que somos descendentes de grandes reinados. O fato do preconceito também surge a partir de que muitos rotulam nosso dom de manipulação de energias como bruxaria, maldade entre outros pré-julgamentos, a realidade é que na religião de matriz afro nós cultuamos as forças e energias da natureza, isso falando sobre candomblé que é a religião ao qual sou iniciado Yawó na nação de Ketu como filho de Oxóssi(odé) com Oxum. Oxossi é o orixá que vive nas matas e responsável pela caça, pela abundância e comida na mesa das casas de axé, assim também conhecidas como terreiro, sendo o nome correto ILÉ AXÉ.
OXUM é considerada a senhora do amor, da doçura, do encantamento e reside e é cultuada nas cachoeiras. Na chegada dos negros no recôncavo baiano, como muitos vieram de regiões diferentes, os cultos acabaram se juntando e até hoje cultuamos todos os orixás, diferente na África que cada região cultua e presta oferendas somente para um determinado Orixá, que é o que rege aquele "tribo". Como eles cultuavam os orixás sem serem massacrados, principalmente pela igreja católica na época, que inclusive foi um dos maiores protagonistas na escravização do negro? Pois bem, daí surgiu o sincretismo religioso, que é cultuado até hoje desde 1908 pelos umbandistas a partir de Zélio de Mores que foi o pioneiro na umbanda no Brasil.
Sincretismo para ser mais didático simbolizava na época o culto às divindades africanas através das imagens dos santos católico, onde cada um foi representado, como por exemplo: Oxóssi como São Sebastião, Oxum como Nossa Senhora Aparecida, Ogum como são Jorge entre os demais orixás, esses são apenas alguns exemplos. Sendo assim era a única maneira deles cultuarem e dar seguimento a sua fé sem que fossem perseguidos.
 Até então no candomblé se cultuava somente os orixás, após o início de alguns cultos em homenagem aos caboclos que são os índios e primeiros dono deste solo, se deu início no culto para as entidades dentro de alguns terreiros, como caboclos, boiadeiros, baianos, marinheiros, pretos velhos, ciganos, exus e pomba giras que até então são as entidades que precisa ser quebrado muitos tabus e paradigmas. As entidades são encantados com o grau elevadíssimo no plano espiritual que possuem a permissão divina para virem trabalhar através de seus médiuns de incorporação, assim como eu mesmo sou.
 Nós para podermos incorporar, receber uma entidade, também passamos por um processo árduo para o discernimento e trabalho em prol do bem do próximo, mas isso já é um assunto mais complexo. Então basicamente o preconceito está ligado à falta de conhecimento dos leigos numa maneira geral e é inadmissível.
 Vale ressaltar que assim como todas as religiões, na nossa também não é diferente e tem muitos charlatãos, que sequer passaram por algum procedimento dentro do terreiro, usam várias guias no pescoço sem saber seus significados, e nossa religião não é bagunça e temos muitos fundamentos, rezas. No candomblé, por exemplo, aprendemos idiomas como yorubá, bantu Angola, considero a religião extremamente complicada e senão a mais difícil de todas, não bem assim só ir ascendo vela, precisa ter conhecimento do que se está fazendo, até por que lidamos com as vidas das pessoas, e conheço muitos que ao invés de ajudar a vida do outro, está piorando ainda mais. Requer muito cuidado, atenção e conhecimento quando se mexe com o oculto!
JCN-  A Constituição Brasileira, em seu Artigo V, Inciso VI diz que “é inviolável a liberdade de consciência de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da leia, a proteção aos locais de culto e suas liturgias’’. Você acha que de fato as religiões afro estão protegidas por essa Lei?
Victor -  Quando sancionada a Lei ainda existia uma certa demora para se resolver alguns casos, e acredito que por tamanha demanda, também assim como outros crimes requer sim, mais atenção. No Brasil inúmeras pessoas e simpatizante da religião de matriz afro são mortas todos os dias, terreiros invadidos e destruídos devido ao preconceito, assim como gays, trans, e feminicidios. Os crimes e mortalidades crescem muito no Brasil a cada dia, por isso precisamos de leis sólidas e severas, para que tenha um livre arbítrio mais seguro e possamos expressar nossa fé.
JCN -  Na prática você acha que essa Lei funciona ou é só teoria?
 Victor -  Funciona sim, temos êxito em muitos casos Brasil a fora.
JCN -  Quais os principais desafios enfrentados pelas religiões de matriz africana?
Victor – Os desafios são os mais diversos, mas posso citar alguns, como: falta de apoio das autoridades, meios culturais( que inclusive já existe, porém vejo que existe uma seleção e muito escolha a dedo), falta de respeito dos integrantes das demais denominações religiosas. É como sempre digo, nenhuma religião é ruim, o problema são seus integrantes, líderes principalmente.
JCN -   Em sua opinião, as políticas públicas são suficientes para combater a intolerância religiosa?
 Victor -  As políticas públicas auxiliam muito, porém falta implantação de palestras dentro das instituições de ensino, o uso de material informativo, meios de comunicação precisam nos dar voz para .
 
JCN -  Você já foi discriminado por ser do Candomblé? Como foi?
 Victor - Já fui e sou até hoje, porém diferente de alguns casos não foi na rua. O meu caso começa dentro de casa, lugar de onde deveria ter todo "apoio", o que realmente precisamos é de respeito, nem ser tolerados, mas RESPEITADOS, e não quero que ninguém seja obrigado me tolerar. E o preconceito também além de vir da própria família, meu parentesco paterno por exemplo, teve um vínculo muito forte dentro de terreiros e inclusive nossos tataravós vieram traficados na última remessa de negros para o Brasil antes da liberação das cartas de ALFORRIA , e lei Áurea. Não só temos " o pé na senzala", como temos o corpo todo, está na nossa genética e religião afro e é isso, ancestralidade cultuada juntamente com as divindades
JCN-  Pela falta de informação, algumas pessoas acham que essas religiões  praticam o mal. Você pode explicar um pouco sobre sua religião?
Victor - Um exemplo bem simples é a famosa macumba, primeiramente macumba é um instrumento musical, segundo as oferendas que fazemos, por exemplo, nas encruzilhadas: antigamente quando os escravos fugiam das senzalas rumo aos quilombos, os que conseguiam sair na frente sempre deixavam como ponto de referência as encruzilhadas, local esse, onde se era deixado cachaça, padê( mais conhecido com mó farofa de macumba) constituído por farinha de mandioca azeite de dendê que servia como alimento e suplemento saciável para que conseguissem continuar até o quilombo, os frangos que normalmente ficavam aberto e eles escondiam sabonetes e garfos dentro, por exemplo, que na época variam muito dinheiro e também para ele servia como moeda de troca.
A disposição de tudo isso assustava quem passava perto e por isso não mexiam como, por exemplo, os capangas dos donos das fazendas. A cachaça servia tanto para suprir o frio como também para eles colocarem nos machucados e cortes como esterilizador, na época dificilmente eles tinham acesso a velas por isso eram usados fogareiros a base do querosene que eles também conseguiram nas grandes fazendas.
E como eles sabiam a caminho pra chegar até o quilombo?  Pois bem, as mulheres confeccionavam tranças em seus cabelos chamadas tranças de nagô, onde eles estudavam o desenho na cabeça delas e servia como o mapa e assim chegavam ao quilombo, lugares estes constituídos por negros fugitivos de sua escravidão. E até hoje fazemos esse ritual relembrando como os nossos ancestrais faziam, se vir um trabalho colocado numa encruzilhada, por exemplo, nunca mexa, nunca chute, pois aquela oferenda pode ser em prol da Saúde de uma pessoa, e demais outros casos como resolvemos na vida das pessoas através  do intermédio espiritual. E até porque ali existe uma energia e dependendo do caso se você mexer, a energia que está ali pode vir para você e numa dessa pode ser muita negativa, sendo assim você também estará se prejudicando então apenas respeite e siga seu caminho.
JCN -  Você acha que o preconceito e a discriminação às religiões de matriz africana estão atrelados ao racismo?
Victor -  Sem sombra de dúvidas, até porque o negro já foi escravizado por ser negro e também por constituir muitos conhecimentos, e isso surge muito a partir do poder das igrejas principalmente do cristianismo, ao qual nunca aceitou que os africanos tivessem conhecimentos de ervas, por exemplo, medicinais para curas entre outras finalidades. No período da idade média muitas mulheres que eram queimadas vivas pela igreja eram consideradas bruxas por deterem conhecimentos de curas através das folhas, das ervas e isso para eles era inadmissível. Acredito que a partir daí se criou o famoso ranço de pessoas negras e isso se difundiu. O preconceito existe, o racismo existe e muitas pessoas ainda nos dias atuais morrem por conta disso.
JCN - Como você acha que a intolerância religiosa poderia ser combatida?
Victor -  Começa essa resposta falando um pouco sobre o livre arbítrio, para quem estuda Filosofia ou já estudou vai se recordar sobre a filosofia de Santo Agostinho. Santo Agostinho em sua filosofia diz que o livre arbítrio é você fazer o que bem entender e quiser da sua vida desde que você não prejudique o outro,ou seja, o próximo. Sendo assim temos a visão de que nós exercendo e praticando a nossa religião estamos cumprindo com o nosso livre arbítrio sem prejudicar ou interferir na vida do outro. Temos e possuímos os mesmos direitos que todos. E eu não aceito e muito menos tolero qualquer tipo de desrespeito ou comentário que seja ofensivo ou desagradável se referindo a mim ou a minha religião. Conheço todos os meus direitos e sem dúvidas tomarei as medidas cabíveis, meu jurídico também está sempre de prontidão para me auxiliar.
JCN -  Há quanto tempo você faz parte do Candomblé?
Victor -  Essa pergunta também é muito importante até porque muitos pensam que só ir no terreiro é fazer parte da religião. No candomblé, por exemplo, para você dizer que é do candomblé você precisa passar por todo o processo de iniciação e os rituais que a religião requer, no meu caso no candomblé eu fui iniciado em 2021 como Yawó( que significa iniciado nos mistério) e é o primeiro ritual de iniciação onde nós passamos por todo um procedimento de fundamentos em que  acontece o vínculo com o nosso orixá a nossa divindade, e muito conhecido como a famosa raspagem que no procedimento de iniciação requer a raspagem dos nossos cabelos aonde simboliza nós nos despimos das nossas vaidades, pois como candomblé é um culto ancestralidade em respeito às nossas ancestrais temos o pé no chão, muito respeito, muita humildade dentro do terreiro. O candomblé também é constituído no sistema de hierarquia onde passamos por vários procedimentos até termos certos merecimentos como, por exemplo, para chegar a ser um babalorixá, o famoso pai de santo( que também é um termo popular, porém, inadequado,  o correto é ZALADOR DE ORIXA, ORIXA NAO TEM PAI NEM MÃE, ELES São divindades) que não é da noite para o dia que nos tornamos. Precisamos pagar algumas obrigações para o nosso orixá até poder receber esse título que nem sempre são todos que o recebem. Temos essas respostas e confirmações através do oráculo, o jogo de búzios. Para mais informações interesse em tirar dúvidas conhecer mais sobre a nossa realidade é só entrar em contato comigo através do meu WhatsApp ou das minhas redes sociais. Whatsapp (43) 9 9806-8637, Instagram @victor_rafaelofc, Facebook VICTOR RAFAEL.
 

 

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