15/06/2018 às 21h34min - Atualizada em 15/06/2018 às 21h34min

'Filhos nascidos do coração': primeiros pais a adotar pelo Cadastro Nacional contam a experiência 10 anos depois

Ferramenta criada para unir pretendentes a crianças em todo o país completa dez anos com mais de 9 mil adoções. Novo cadastro, mais preciso e com mais informações, está em fase de testes.

g1.globo.com – Thiago Reis
Há dez anos, um cadastro foi criado para tentar dar fim ao abismo entre as crianças abandonadas nos abrigos pelo país e os pretendentes em busca de filhos. O objetivo era acabar com algumas das barreiras que atrapalhavam essas uniões. Desde então, mais de 9 mil crianças e adolescentes, segundo o Conselho Nacional de Justiça, ganharam uma nova família por meio da ferramenta.
 
Apesar dos problemas, o Cadastro Nacional de Adoção é considerado um avanço na área da infância e da juventude e sua nova versão, que deve ser implementada ainda neste ano, promete agilizar ainda mais os processos no Brasil.
 
O G1 conseguiu encontrar e conversar com 3 das 5 primeiras famílias a adotar um filho por meio do cadastro, todas em 2008. Conheça as histórias:
 

 (Foto:  G1)

(Foto: G1)


(Foto: G1)
 
Ana Paula
A funcionária pública Mardeli Gusmão, de 69 anos, utilizou o cadastro para adotar sua sexta filha. Ana Paula surgiu em sua vida quando ela já cuidava, sozinha, de outros cinco filhos adotivos.
 
Solteira, ela resolveu se dedicar à criação das crianças, muitas delas rejeitadas. Moradora de Pedreiras (SP), Mardeli adotou uma criança em Mato Grosso e as outras em São Paulo (capital e interior).
 
Ela nunca fez qualquer restrição ao procurar pelos filhos. Entre eles, por exemplo, está uma deficiente auditiva e intelectual, de 30 anos. Ana Paula, a mais nova, hoje com 14 anos, estava em um abrigo no interior de São Paulo. Mardeli foi orientada a entrar no cadastro, mas não se recorda muito dos trâmites hoje.
 
Para ela, Ana Paula foi um de seus maiores desafios. “Ela tem um gênio muito difícil. Tinha um comportamento muito agressivo. Deu trabalho. Mas é uma garota muito inteligente, que recebeu uma boa educação e está se desenvolvendo.”
 
Ana Paula está no 7º ano e ainda não sabe a carreira que irá seguir.
 
Segundo Mardeli, algo que chama a atenção é a união entre os irmãos. “Todos se apoiam. Somos mais unidos que uma família consanguínea. Tenho um filho que mora em Catanduva, e a gente se vê sempre, e se eu não ligo minha nora me telefona pra dizer que ele está choramingando pelos cantos, dizendo que a mãe dele não está dando atenção. É um relacionamento muito bom com todos”, conta.
 
“Adotar é amor”, resume Mardeli Gusmão.
 
Julia
 

Julia com os pais (Foto: Gizeldo Marques/Arquivo pessoal)

Julia com os pais (Foto: Gizeldo Marques/Arquivo pessoal)


Julia com os pais (Foto: Gizeldo Marques/Arquivo pessoal)
 
O empresário Gizeldo Barbosa Marques, de 50 anos, e a mulher adotaram uma criança na mesma cidade em que moravam na época: Coxim (MS).
 
Após 13 anos de casamento – e um de tentativas frustradas de gravidez –, o casal optou pela adoção. “Foi algo natural”, conta ele.
 
Marques lembra de toda a expectativa em torno de Julia. “O processo foi rápido e simples. A gente ficou com a guarda provisória por um período de mais ou menos seis, oito meses. E logo depois saiu a decisão judicial com a destituição do poder familiar e o encaminhamento do registro de nascimento para o cartório.”
 
O empresário conta que ele e a mulher sempre participaram de um grupo de apoio à adoção, que forneceu ajuda e orientação, inclusive sobre o momento e a maneira de contar à filha sobre o ato.
 
“A gente falou para ela que havia duas formas de ter um filho. Uma delas era gerá-lo na barriga. A outra era o filho nascer do coração. E que isso acontece quando o casal ama tanto uma criança que decide ser pai e mãe dela", conta Gizeldo Marques.
 
“A Julia é uma menina muito esperta, super inteligente, muito amorosa, assim como a irmã dela, a Thaynara, também adotiva”, diz. “Se tivesse que voltar no tempo, a gente faria tudo igual. Claro que é um desafio, mas, a meu ver, não há nenhuma diferença em relação à criação de um filho biológico. Se eu tivesse um filho biológico, a proximidade afetiva ia ser ainda maior? Acho impossível.”
 
Taciane
 

Taciane, com o pai e o irmão (Foto: Maria do Carmo Vasconcelos/Arquivo pessoal)

Taciane, com o pai e o irmão (Foto: Maria do Carmo Vasconcelos/Arquivo pessoal)


Taciane, com o pai e o irmão (Foto: Maria do Carmo Vasconcelos/Arquivo pessoal)
 
A assistente social Maria do Carmo Vasconcelos, de 60 anos, também não precisou ir tão longe para conhecer a filha. Moradora de Cabo de Santo Agostinho (PE), adotou uma criança a poucos quilômetros de distância, em uma cidade localizada a 30 minutos de carro.
 
“Eu comecei a fazer estágio em uma ONG em Jaboatão dos Guararapes e lá tinha uma menina que estava disponível para adoção. Logo depois que a conheci, já fui preencher toda a documentação e fui incluída no cadastro. Dois meses depois, ela já estava comigo”, relembra.
 
Taciane tinha 8 anos. Maria do Carmo, então com 50, já tinha um filho biológico de 23. “Eu não estava procurando, mas eu a encontrei”, afirma. “Todo mundo deu o maior apoio. No primeiro fim de semana que ela passou em casa, durante o período de convivência, todo mundo se apaixonou.”
 
Hoje, a filha tem 18 anos e estuda para seguir os passos da mãe. “Ela é uma moça linda, muito educada, encantadora. E hoje pensa em ser assistente social, como eu. Ela gosta muito do trabalho que me vê desenvolvendo”, diz, orgulhosa.
 
“Adoção é um ato de carinho. Quando a gente adota um filho, a gente o escolhe”, afirma Maria do Carmo Vasconcelos.
 
Ela diz que o plano agora é ampliar ainda mais a família. “Quero adotar mais uma criança. Já estou no processo de conseguir a guarda. Uma menininha de 5 anos”, conta, animada.


Taciane e a mãe (Foto: Maria do Carmo Vasconcelos/Arquivo pessoal)

Taciane e a mãe (Foto: Maria do Carmo Vasconcelos/Arquivo pessoal)


Taciane e a mãe (Foto: Maria do Carmo Vasconcelos/Arquivo pessoal)
 
Novo cadastro
Existem hoje no Cadastro Nacional de Adoção 43.677 pretendentes brasileiros – e outros 270 estrangeiros. Do outro lado, estão 8.852 crianças e adolescentes.
 
Por que mais crianças não são adotadas, então? Além das restrições dos pretendentes em relação à idade e à cor delas, muitos grupos de apoio reclamam que juízes não utilizam nem atualizam a ferramenta e que em muitas varas não há nem sequer funcionários capazes de fazer isso. Para tentar resolver esses e outros problemas, um novo cadastro já está em fase de testes.
 
Entre as mudanças está uma busca inteligente que cruza os perfis dos pretendentes com os das crianças e adolescentes, informando os juízes quase que em tempo real da possibilidade de um “match” em todo o Brasil. Essa varredura automática diária permite ainda um resultado por dados aproximados, ampliando as possibilidades. O novo cadastro também possui uma atualização mais fácil, feita pelos próprios pretendentes, com acesso por meio de login e senha, o que deve solucionar um dos principais gargalos hoje em dia.
 
Assim que ele estiver em uso efetivo, haverá ainda a emissão de alertas para a Corregedoria em caso de demora nos prazos dos processos e uma integração com o Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas.
 
Outra alteração importante diz respeito à inclusão de fotos, cartas, desenhos e vídeos das crianças para que os pretendentes autorizados criem um vínculo com elas.
 
“O objetivo é um cadastro dinâmico e transparente”, afirma a juíza auxiliar da Corregedoria Sandra Silvestre Torres.
 

Adoção no Brasil: em 10 anos, 9 mil processos concretizados (Foto: Betta Jaworski/G1)

Adoção no Brasil: em 10 anos, 9 mil processos concretizados (Foto: Betta Jaworski/G1)


Adoção no Brasil: em 10 anos, 9 mil processos concretizados (Foto: Betta Jaworski/G1)
 
Como adotar
Para adotar uma criança, é preciso ter no mínimo 18 anos. Não importa o estado civil, mas é necessária uma diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e a criança acolhida.
 
O primeiro passo é ir à Vara da Infância mais próxima e se inscrever como candidato. Além de RG e comprovante de residência, outros documentos são necessários para dar continuidade no processo. É preciso fazer uma petição e um curso de preparação psicossocial.
 
São realizadas, então, entrevistas com uma equipe técnica formada por psicólogos e assistentes sociais e visitas. Após entrar na fila de adoção, é necessário aguardar uma criança com o perfil desejado no cadastro.
 
Cartilhas e grupos de apoio podem ser consultados para esclarecer dúvidas e saber um pouco mais sobre o ato. O passo-a-passo pode ser verificado no site do CNJ.
 

Mais de 8 mil crianças aguardam uma família nos abrigos pelo país (Foto: Caio Kenji/G1)

Mais de 8 mil crianças aguardam uma família nos abrigos pelo país (Foto: Caio Kenji/G1)


Mais de 8 mil crianças aguardam uma família nos abrigos pelo país (Foto: Caio Kenji/G1)

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