02/02/2018 às 10h43min - Atualizada em 02/02/2018 às 10h43min

14 maneiras de ensinar o seu filho a ficar de bem com a vida

Manter os pés no chão, sem perder a fantasia. Saber lidar com as frustrações. Encher o coração de esperança. Ensinar essas ferramentas ao seu filho é praticamente tudo o que ele precisa para ser feliz – hoje e no futuro

revistacrescer.globo.com - Naíma Saleh
Gaia veste body da Trend4tods. (Foto: Erika Verginelli / Editora Globo)
Desde que você soube que estava grávida, imaginou um mundo de coisas que gostaria de dar ao seu filho. Das primeiras roupinhas às viagens, dos brinquedos à melhor escola... Tudo por um motivo muito simples: você faria qualquer coisa para vê-lo feliz. Ao mesmo tempo, surgiram várias preocupações com o futuro: o que meu filho vai ser? Vai entrar em uma boa faculdade? Como prepará-lo para esse mundão?
 
São inquietações naturais, é lógico. Ser pai ou mãe é uma responsabilidade tremenda. Mas é consenso entre pediatras e psicólogos que, de modo geral, estamos tão preocupados em fazer com que nossos filhos sejam felizes no futuro que acabamos desperdiçando a chance de aproveitar com eles o presente. “Essa troca de noção temporal, em que os pais nutrem sua relação com os filhos em função do que vai ser e não do agora provoca infelicidade generalizada. Matriculam as crianças em mil atividades, fazem com que elas passem horas na escola ou fazendo lição, tudo isso para tentar salvá-las de um futuro cruel, competitivo e cheio de dificuldades”, explica o pediatra Daniel Becker, autor do site Pediatra Integral.
 
Pressionadas por uma agenda de afazeres que deixa pouco tempo livre, as crianças param de usufruir da fase mais curta da vida: a infância. É agora que seu filho pode brincar sem se preocupar com as contas a pagar. É agora que ele pode botar uma capa e fingir ser super-herói porque não precisa bater ponto no trabalho. É agora que ele pode se sujar e rir à vontade porque não tem que parecer sério ou respeitável.
 
E tem mais: não dá para achar que dar às crianças uma superformação acadêmica-linguística-esportiva é o mesmo que prepará-las para ser feliz.  “Existe na contemporaneidade uma falsa ideia da felicidade, como se fosse uma espécie de lugar a ser alcançado”, explica a psicanalista Vera Iaconelli, diretora do Instituto Gerar (SP). Buscamos uma sensação de plenitude que não existe no mundo real. O que está ao nosso alcance são momentos felizes: uns mais duradouros, outros nem tanto; uns muito intensos – de euforia -, outros mais suaves, como o calorzinho que se sente em um abraço ou o frescor do vento batendo no rosto na praia.
 
A felicidade que está ao nosso alcance, de acordo com a psicanalista, é como comer um prato da nossa comida favorita: a gente saboreia, se delicia, fica satisfeito. Mas três horas depois já está procurando outra coisa para beliscar. E tudo bem, porque isso é o que nos move a procurar novos desafios. “A falta é a condição do desejo. Pode trazer tristeza, ansiedade, mas é o que nos faz seguir. Por isso, nossa satisfação é sempre parcial, nunca total”, explica.
 
O paradoxo é que, quanto mais acreditamos que a felicidade seja um lugar a ser conquistado, mais somos incapazes de sentir prazer nas conquistas reais, do dia a dia. Comemos depressa, tomamos banho correndo, estamos sempre atrasados. Aceleramos nossos filhos quando eles param para contemplar uma joaninha na calçada, porque nos acostumamos a andar a passos largos. Deixamos escapar entre os dedos momentos preciosos.  “As crianças, ao contrário, vivem tudo intensamente, tanto alegrias como tristezas, porque não têm a noção temporal, nem da finitude. Para elas, o momento é fundamental. Isso é algo que os adultos desaprendem”, explica o pesquisador Gustavo Daineizi, da ESPM.
 
Para reaprender a aproveitar o agora, em vez de se consumir tentando garantir que as crianças se tornem adultos plenos, faça de tudo para que elas tenham uma infância incrível. Livre, leve, divertida. Nesta reportagem, damos dicas para você fazer isso, oferecendo a seu filho ferramentas para que ele mesmo possa buscar, hoje e sempre, aquilo que de fato precisa para ser feliz – assim como eu e você também.
 
1. Olhar para dentro
A felicidade pode ser pensada como um estado de bem-estar consigo e com a vida. Por isso, é preciso fazer constantemente o exercício de separar o mundo externo do mundo interno de cada pessoa. “Estar bem consigo mesmo e confiar nas próprias capacidades é o que vai ajudar seu filho a se manter bem internamente, ainda que, do lado de fora, as coisas não estejam caminhando da forma como ele gostaria”, explica Tânia Paris, presidente da Associação pela Saúde Emocional de Crianças (Asec). O contrário também é verdadeiro: quantas vezes não há nada de errado, o sol brilha, os passarinhos cantam, mas, por algum motivo, você não está contente? Pode acontecer o mesmo com seu filho. Fortalecer a autoestima dele é a melhor maneira de garantir que ele tenha uma força interior e que possa resgatá-la nas horas de aperto. Ressalte o esforço dele, principalmente quando tiver superado obstáculos e o ajude a perceber os pontos que precisam ser melhorados, sempre com sinceridade e amor.
 

 (Foto: Erika Verginelli / Editora Globo)

(Foto: Erika Verginelli / Editora Globo)


(Foto: Erika Verginelli / Editora Globo)
 
2. Fazer nada
Muitos pais se sentem obrigados a entreter os filhos o-tem-po-to-do. Arrumam um número sem fim de atividades, sacam uma nova brincadeira - ou tablet -, de onde menos se espera. Tudo para deixar a criança ocupada. Como assim deixar seu filho sem fazer nada? Pois é justamente nesses momentos de tédio que a criança tem a chance de desenvolver uma habilidade importante: o autoconhecimento. O incômodo serve de estímulo para buscar formas de se autoentreter, descobrir hobbies, usar a criatividade, sonhar acordado. “Quando se deixa a criança sossegada, ela acha formas de lidar com o vazio e essa é uma habilidade importante”, diz o psiquiatra Francisco Assumpção, da Associação Brasileira de Psiquiatria.
 
3. Ser grato
Tomar um banho quente. Acordar tarde no domingo. Ganhar um cafuné... Reconhecer as pequenas alegrias do dia a dia e agradecê-las pode, sim, ajudar seu filho a se tornar uma pessoa mais feliz. Diversos estudos associam a gratidão à diminuição da depressão, à melhora do sistema imunológico e a uma maior sensação de bem-estar. Mas precisa ser um agradecimento sincero: um estudo feito pelas universidades de UNC, Duke, e NC State (EUA), revelou que crianças a partir de 6 anos já diferenciam um “obrigado” vazio de gratidão verdadeira. Os especialistas, que estudam o assunto desde 2012, apontam que a melhor forma de ensinar a gratidão é pelo exemplo. Que tal criar o hábito de, no fim do dia, relembrar as coisas boas e agradecer?
 
4. Construir laços
Um dos maiores estudos já realizados pela Universidade de Harvard (EUA) tinha um objetivo nobre: encontrar pistas do que pode levar a uma vida mais longa e feliz. O que os especialistas descobriram? Que os relacionamentos e o quão felizes somos neles exercem grande influência sobre nossa saúde e felicidade. Mais do que fama ou dinheiro, são as conexões que estabelecemos que nos fazem ter uma vida plena. Quando os participantes da pesquisa, iniciada em 1938, chegaram aos 50 anos, a qualidade das relações que haviam tecido pesou mais do que a taxa de colesterol para determinar a expectativa de vida. Isso porque são as nossas conexões que fazem com que a gente tenha com quem compartilhar alegrias e tristezas. São elas que criam a sensação de pertencimento, algo que muitos estudos apontam como uma das bases para a felicidade. Encoraje as amizades do seu filho, a parceria entre irmãos, a convivência com a família e, claro, cuide do laço entre vocês.
 
5. Estar presente
“Comprava inúmeros brinquedos para o meu filho achando que ele ia ficar todo feliz. Mal podia esperar para chegar em casa... Mas o Gabriel corria mais rápido para os meus braços e nem ligava para o brinquedo. Queria ter gravado a minha cara quando percebi isso”, conta a secretária Lidiane Garcia, 30. Pois bem... é fácil cair nessa cilada, até porque a felicidade, em grande medida, é muito associada a bens de consumo na nossa sociedade. Somos bombardeados por propagandas que prometem bem-estar e prazer para nós e nossa família. Mas não se iluda: se for para gastar dinheiro, melhor que seja para economizar seu tempo. Uma pesquisa feita pela Harvard Business School (EUA) em quatro países revelou que, quando pagamos para alguém realizar tarefas que nos permitem economizar tempo – como arrumar uma funcionária para limpar a casa -, sentimos um maior nível de satisfação com a vida. E, de quebra, conseguimos aproveitar melhor a companhia das crianças... Ainda que você não tenha grana sobrando para fazer isso, às vezes vale a pena fechar os olhos para a bagunça e perder (ou melhor, ganhar!) uma tarde inteira para brincar com seu filho - mesmo que o cesto de roupas esteja cheio ou a grama por cortar. Logo, logo, os filhos crescem... E a gente percebe que todo o resto poderia ter esperado.
 

Alicia usa vestido  da Trend4tods e sandália da Matuschkamia. (Foto: Alicia usa vestido  da Trend4tods e sandália da Matuschkamia.)

Alicia usa vestido da Trend4tods e sandália da Matuschkamia. (Foto: Alicia usa vestido da Trend4tods e sandália da Matuschkamia.)


Alicia usa vestido da Trend4tods e sandália da Matuschkamia. (Foto: Alicia usa vestido da Trend4tods e sandália da Matuschkamia.)
 
6. Lidar com emoções
Desde cedo, os pais podem ensinar a criança à identificar sentimentos:  “O que deixa você alegre?”, “Você jogou o brinquedo no chão porque ficou bravo?”. Quando ajudamos nossos filhos a reconhecer e nomear as emoções facilitamos o processo deles de autoconhecimento. Eles adquirem a noção de que tanto os sentimentos bons como os não tão agradáveis (como raiva e medo) fazem parte da vida e... são passageiros. Ter essa certeza é importante na hora de enfrentar grandes dores, como o luto. Além disso, crianças cientes do que sentem sabem separar o que é delas e o que é dos outros. Se um amigo está triste, seu filho pode demonstrar empatia, mas sabe que a dor não é dele.
 
7. Abraçar a tristeza
“Ao mesmo tempo que se incentiva a busca pela felicidade, há uma negação de que a existência implica uma dose de tristeza”, explica a psicanalista Vera. Isso afeta profundamente a relação entre filhos e pais, porque as crianças jamais podem ficar infelizes. Os pais se sentem responsáveis e tomam para si a obrigação de fazer o filho feliz o tempo todo – como se isso fosse possível. Lembre-se de que os momentos de angústia e insatisfação são necessários, porque apenas aprendemos a valorizar o que é bom por meio dos contrastes. Prazer/insatisfação, ausência/presença, são essas as contraposições que fazem parte da vida e que tornam os bons momentos tão desejados. Lembra-se do filme Divertida Mente?
 
8. Pedir desculpas
Sim, é com você mesmo. “Quando o pai, que é maior e mais forte, se dirige à criança pedindo desculpa porque perdeu a paciência ou faltou na troca da faixa de judô, está ensinando que todo mundo erra, mas que sempre há possibilidade de corrigir”, explica o psiquiatra Francisco. Isso amplia as perspectivas e abre novos caminhos para que seu filho perceba que certas atitudes não são irreversíveis, podem ser reparadas. Afinal, ninguém é obrigado a acertar sempre. Perceber que os pais também erram alivia a pressão na hora de tomar decisões, já que a criança se sente mais livre para arriscar, e mostra que até os ídolos pisam na bola de vez em quando. Ela aprende ainda a ser mais tolerante com os erros dela – e dos outros.
 
9. Curtir a natureza
Todo ser humano sente um desejo de ficar mais próximo de sua matriz – afinal, mesmo sendo racionais, somos animais, lembra? Esse sentimento tem até nome: biofilia. Por isso, diversas pesquisas mostram os benefícios de estar ao ar livre, perto do verde, do mar. Um estudo da Universidade de British Columbia (Canadá) revelou que contemplar a natureza, mesmo em um ambiente urbano, aumenta a felicidade, o sentimento de conexão e a sensação de bem-estar. Além de levar seu filho para praças, parques e outros espaços abertos, permitir que ele contemple cachoeiras, montanhas, florestas e outras maravilhas naturais pode ensiná-lo sobre humildade. “A natureza provoca um sentimento de se curvar diante da grandiosidade”, explica o pediatra Daniel. Essa sensação de reverência, de se sentir pequeno, faz com que crianças (e adultos) olhem além do próprio umbigo e entendam que somos apenas mais um grãozinho de poeira no universo. Nos sentimos conectados a algo maior e damos outra dimensão às dores e angústias que pareciam tão grandes.
 
10. Experimentar em vez de acumular
Uma pesquisa recente da Universidade Estadual de São Francisco (EUA) constatou que pessoas que gastam dinheiro em experiências, em vez de torrar em bens materiais, sentem uma satisfação mais plena e duradoura, além de considerarem que a grana foi mais bem investida. Pense só: quanto dura a alegria de comprar um carro novo em comparação a passar um mês de férias com seu filho na praia? Você trocaria uma roupa nova por um dia inteiro com as crianças em um parque de diversão? Vale lembrar que a graça, muitas vezes, não está na coisa em si, mas em todo processo que foi feito para alcançá-la. “O que conta é o caminho que se faz até uma conquista, é o que se aprende na caminhada”, explica Jonas Masetti, mestre em Vedanta, uma forma de estudo milenar sobre o autoconhecimento que tem origem na Índia. Uma boa forma de começar é fazer um acordo com todo mundo em casa para abolir presentes materiais e trocá-los por experiências: viagens em família, passeios, teatros, cursos. Que tal fazer uma aula de circo junto com seu filho? Ou participar de uma oficina de costura para fazer a boneca tão desejada – em vez de comprar uma pronta na loja? Como bem escreveu Antoine de Saint-Exupéry no clássico O Pequeno Príncipe: “O essencial é invisível aos olhos”.
 
11. Ter um propósito
Sabe aquela sensação de buscar um objetivo na vida? De tentar entender qual é a sua missão neste planeta? Diversas pesquisas apontam que essa busca por um sentido é um dos pilares mais importantes para construir uma vida feliz. Pode parecer uma questão existencialista demais (e é). Mas, na prática, um sentido pode ganhar corpo quando se abraça uma causa – seja a proteção do meio ambiente, o acolhimento de animais de rua, a assistência a crianças carentes. “Quando os pais se envolvem com questões que fazem sentido para a vida de uma criança e que comprometem o futuro de todos nós, dão um exemplo positivo de solidariedade, de preocupação com a comunidade e de motivação”, completa Becker. Você pode se voluntariar para visitar pessoas doentes em hospitais, arrecadar alimentos não perecíveis e material escolar para doar a abrigos, organizar campanhas do agasalho no condomínio onde mora. Sempre há quem precise de ajuda mais perto do que você imagina. Na medida do possível, inclua o seu filho nessas atividades.
 
12. Brincar e brincar
É claro que as atividades programadas, como natação, ginástica e futebol têm seu valor. O exercício físico tem benefícios enormes comprovados pela ciência, tanto nos aspectos físicos quanto psicológicos. Melhora a forma física, aumenta a força muscular, fortalece a imunidade, está associado a um melhor desempenho escolar e ainda amplia a sensação de bem-estar graças à liberação de hormônios, como a endorfina. Mas são as atividades não dirigidas,  como o brincar livre, que permitem ao seu filho soltar a imaginação, criar suas próprias aventuras, se jogar no faz de conta e estabelecer suas próprias regras.
 
13. Celebrar pequenas conquistas
Se a felicidade está no dia a dia, por que esperar grandes feitos para comemorar? Não dá para ser feliz só quando as férias chegarem. Ou quando vocês finalmente mudarem para uma casa maior. Também não dá para se alegrar só no aniversário, na Páscoa ou no Natal. Que tal festejar o primeiro dente de leite do seu filho que caiu? Ou a primeira vez que ele conseguiu fazer a lição sozinho? Só tenha em mente que comemorar não significa necessariamente dar presentes ou soprar velinhas no bolo. Beijar, abraçar, elogiar seu filho por alguma coisa muito bacana que ele conseguiu também é celebrar.
 
14. Construir memórias
E, de preferência, ter muitos registros delas! Não economize nas fotos, nos vídeos, guarde os desenhos do seu filho, ainda que sejam apenas garatujas. A infância é curta, é verdade. Mas é nela que se constrói uma base sólida para a vida inteira. Seu filho ter lembranças de momentos e experiências vividas ao seu lado, de todo amor que recebeu, é o que vai fortalecê-lo lá na frente. Pode ser que o emprego dos sonhos não venha, que a grana aperte, que ele sofra com um coração partido… Nada está no seu controle. Mas pode ter certeza: tudo o que ele aprender e viver ficará para sempre com ele.

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