10/05/2022 às 15h54min - Atualizada em 10/05/2022 às 15h54min

Viúva de Domingos Montagner diz que se emocionou com biografia do ator e conta como filhos lidam com a saudade

- EXTRA

Muito além de um galã de novelas, Domingos Montagner teve diversas outras atribuições, como professor de Educação Física, palhaço (papel de que mais se orgulhava ao longo de sua carreira consolidada no circo), pai e marido dedicado. A trajetória, bem como momentos pessoais marcantes do ator — que morreu tragicamente em 2016, aos 54 anos, ao desaparecer nas águas do Rio São Francisco, ao fim das gravações da novela “Velho Chico” —, agora estão eternizados na biografia “Domingos Montagner — O espetáculo não para”, escrita por Oswaldo Carvalho.

— Foi um enorme desafio. Todos que eram próximos ao Domingos foram muito generosos comigo, e, a partir do “ok” para fazer esse projeto, eu só pensava: “Meu Deus, que responsabilidade!” — reconhece o jornalista e autor.
 

Para contar essa história, Carvalho ouviu mais de 80 depoimentos de amigos, parentes e artistas que trabalharam e conviveram com Domingos. Recolheu fotos do acervo pessoal, ilustrações feitas pelo ator, visitou a casa onde ele morou na infância. O autor contou ainda com a supervisão e ajuda de três grandes parceiros do artista: Fernando Sampaio, com quem Domingos fundou a companhia circense La Mínima; Francisco, irmão do biografado; e Luciana Lima, viúva do ator. Enquanto o livro nascia, ela pôde revisitar memórias entrelaçadas a sua própria história, o que abriu o caminho para a emoção.

— Confesso que quando entrou no capítulo sobre como a gente se conheceu e o nascimento dos nossos filhos, fiquei mexida. O livro também traz coisas da infância dele que eu só conhecia de roda de churrasco. A gente vai encaixando peças do quebra-cabeça e vendo uma imagem mais nítida da pessoa. É muito gostoso e bonito isso — diz ela.

Acessar essas memórias não é uma novidade para a família do ator. Luciana conta que é um processo constante não só em casa, mas no picadeiro — além da La Mínima, Domingos foi um dos fundadores do Circo Zanni, onde Luciana é artista até hoje).

— Esse visitar (o passado) vem num âmbito de agregar, ficar mais próximo. Nunca em tom de pesar e lamentação — garante Luciana, acrescentando que, para fazer o livro, o mergulho em suas memórias foi um pouco mais profundo e funcionou como um processo terapêutico: — Meses depois da passagem do Domingos, produzimos os 20 anos da companhia. Na sequência, já veio o livro. Isso tudo é um processo de cura. Transfere a dor física para um lugar de saudade, da memória, uma parte mais sensorial. Sentir a presença, ser mais intuitiva para que a gente possa continuar essa comunicação e seja sempre presente.

A mulher do ator abriu até as portas de sua casa para Carvalho e Jaqueline Lavôr, responsável pela pesquisa iconográfica da obra. O autor da biografia pontua:

— Eu não tinha nenhum desejo de invadir esse espaço deles, de puxar uma memória que fosse muito dolorosa. Tudo foi feito no seu tempo. Quando eu sentia que às vezes a conversa estava mexendo um pouco mais com a pessoa, a gente mudava de assunto. Os 3 (Francisco, Fernando e Luciana) são muito cuidadosos com a memória do Domingos e eu achava isso bonito, eu via que eu estava ali com uma responsabilidade muito grande.

E Luciana reconhece todo o respeito e enaltece o que descreve como “uma parceria tranquila com uma troca bonita”.

— A ideia do livro veio para registrar esse legado do Domingos de uma forma mais consistente. Mostrar para as pessoas que ele não foi só o galã de novela. Teve toda uma trajetória incrível de vida, um significado na arte, no circo não só enquanto artista, mas enquanto criador, produtor, pessoa política e social. Aos amigos, familiares, fãs fica um registro para a vida — finaliza Luciana.

Os três filhos de Domingos: ‘Cada um no seu tempo’ para falar da saudade

Domingos e Luciana tiveram três filhos: Leo, de 18 anos; Antonio, de 15; e Dante, de 11. A mãe sempre compartilha com eles cada homenagem, e conta que cada um tem sua forma de lidar com a ausência do pai.

— Um fala com tom mais saudoso; outro, mais alegre; e o outro sempre pergunta. Deixo-os muito à vontade, cada um no seu tempo. A gente tem um lugar em casa onde ficam as coisas dele, um acervo de discos, livros. Às vezes, vai todo mundo; em outras, vai um de cada vez; e em outras, não vai ninguém — diz a viúva, que, sobre a saudade do patriarca, acrescenta: — O dia em que estamos mais saudosos, ficamos acolhedores; quando estamos mais espalhafatosos, cada um vai para o seu universo; e assim vamos indo. Apesar de cada um ter a sua individualidade, estamos sempre juntos, cuidando um do outro. É um exercício diário.

A biografia começa pela infância de Domingos, em Tatuapé, São Paulo, passa pela vida em família, carreira, incluindo as novelas, e vai além da morte do artista. A tragédia é tema do penúltimo capitulo. O último, com o nome “O espetáculo não para!”, fala da homenagem feita no Circo Zanni a Domingos pelo Dia do Palhaço, menos de três meses após a partida dele, e da estreia do espetáculo "Pagliacci", como um dos marcos dos 20 anos da companhia La Mínima.

Ao ser perguntada sobre as etapas da vida do marido que não podiam ficar fora da homenagem, Luciana enumera:

— A trajetória dele até entrar no circo e sua consolidação nessa arte. A paternidade, que foi algo que o transformou. E a origem dele, saber de onde veio, como era a família, onde morava.

Já sobre a saudade do marido e a vida da família após a partida dele, Luciana diz:

— Não tem muita diferença de como a gente está levando a vida hoje e de momentos depois do acontecido. A gente (ela e os filhos) olhou para a cara um do outro e falou: “Temos nós quatro, então vamos nos acolher, vamos ficar juntos e vamos principalmente cuidar do momento que a gente está vivendo hoje”. Quando aconteceu a tragédia, eu fiquei muito preocupada com o que ia ser o amanhã, o depois de amanhã, como que ia ser o primeiro Natal, e os 18 anos, os 15, a formatura... Eu projetava muito, pensava assim: “Nossa, eles vão sofrer tanto, eu vou sofrer, não vou tê-lo nessa e nessa data”. Alguém me disse em algum momento assim: “Não, Lu, você tem que trazer a sua presença para agora, porque os meninos estão precisando de você. É importante que vocês estejam juntos, tenham uma qualidade de vida no momento presente. Então viva o hoje, acorde com os meninos, façam café da manhã, vão viajar, fazer isso e aquilo. Façam pequenos movimentos, pequenas metas de uma vida tranquila e possível que o tempo vai se encarregar”. E assim a gente fez todos os dias.

Uma nova percepção

“Descobri que a história do Domingos com o circo enriqueceu seus papéis na TV. Ele representa uma geração que aprendeu a fazer circo na escola”, diz Carvalho.

Narração em romance

“Eu não queria fazer como se fosse um relatório. Meu grande esforço foi escrever um livro com uma boa fluidez”, conta o autor.

No início não gostou

“De primeira, eu não gostei da ideia do livro. Não sabia se queria isso, se ia dar conta. Fomos travando conversas esporádicas e, quando eu vi o primeiro projeto, gostei muito. A coisa foi se dando de uma maneira bem natural”, revela Luciana, que viveu com Domingos por 17 anos.

Trabalho conjunto

“Domingos sempre foi reservado. Então, tivemos o carinho em pensar como passar essa história, o que cabia ou não, o que fazia parte da natureza dele. Foi um trabalho a muitas mãos, como fazemos no circo”, destaca a viúva.


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