27/09/2017 às 11h23min - Atualizada em 27/09/2017 às 11h23min

A solidão da mãe de um autista: perdi amigos e tenho medo da morte

estilo.uol.com.br - Daniela Carasco
A jornalista e escritora Andréa Werner, 47, viu sua vida se transformar há nove anos, quando deu à luz Theo, um menino autista. Desde então, interpretou o diagnóstico como uma espécie de atestado de óbito, superou o luto, perdeu amigos, sentiu uma solidão profunda e encarou inúmeros preconceitos para inseri-lo no mundo. Em escolas regulares, viu crianças como ele serem tratadas como "autistas de estimação". Hoje, ela celebra os aprendizados ao lado do filho, mas teme deixá-lo após a morte.
 
“Engravidei do Theo, meu primeiro e único filho, em 2007, dois meses depois de me casar. Eu tinha o sonho de me tornar mãe e, naturalmente, ele se tornou uma criança muito esperada por toda a família. Nossos pais estavam ansiosos pelo primeiro neto.
 
A gravidez foi muito tranquila, sem nenhuma intercorrência. O Theo nasceu grandão, com 53 cm e quase 4 kg. O desenvolvimento enquanto ele era bebê foi aparentemente normal. Aos 5 meses, falou ‘papai’, aos 6, ‘mamãe’. Desinibido, começou cedo a cantar uns pedacinhos de música, gritava, batia palmas.
 
Primeiros sinais com 1 ano
À medida que ele se aproximava do primeiro ano de vida, as coisas começaram a mudar. Theo foi perdendo as habilidades que tinha adquirido. No primeiro aniversário, não bateu palminhas durante o parabéns. Para nós, era só uma questão de personalidade forte.
 
Aos dois anos, ele entrou na escolinha e as professoras notaram uma falta de interação com as outras crianças, contato visual precário e fixação por objetos em movimento. Logo, veio um pedido da escola para que fizéssemos uma avaliação com um neurologista. Foi aí que recebemos o diagnóstico: Theo é autista. 'Tem cura?' Essa foi a minha primeira reação.
 
É um momento de luto
Senti como se meus sonhos tivessem acabado. Era como se meu filho tivesse morrido ali. A urgência imposta pelos médicos quanto ao tratamento, com a justificativa de que o cérebro da criança se desenvolve muito até os três anos. Digo que é como trocar o pneu com o carro andando. Estava sofrendo muito, mas tive que correr atrás dos melhores profissionais que pudessem ajudar meu filho.
 
Fonoaudiólogo, psicóloga, terapia ocupacional... O Theo já fez de tudo um pouco. Até eu entrei para a terapia. Consultar um psicólogo me ajudou muito a lidar com essa situação completamente desconhecida. É difícil sair de um luto sozinha. Alguém precisa te mostrar a luz no fim do túnel.
 

Arquivo pessoal

Arquivo pessoal


 
Ser mãe de um autista é um processo solitário
Assim que o diagnóstico chega, você deixa de ser uma mãe comum e se torna a ‘mãe especial’, aos olhos dos outros. Aquela que ‘tem uma força fora do normal’ e foi ‘predestinada a essa função’. As pessoas me olham com dó. Já cheguei a ouvir que ‘Deus não dá um fardo mais pesado do que se pode carregar’. É preciso parar de romantizar a maternidade de modo geral.
 
Muita gente, sem saber como agir, se afasta. Perdi uma série de amigos que não sabiam o que falar naquele momento difícil. Se mostrar solícito e se fazer presente é tudo o que a gente precisa.
 
Essa sensação só se reverteu com a rede de apoio de mães de crianças autistas que se construiu ao meu redor. Por meio do blog ‘Lagarta Vira Pupa’ e das redes sociais, encontrei mulheres que, assim como eu, se sentiram diminuídas e tiveram sua autoestima completamente abalada com o isolamento. Elas se tornaram minhas melhores amigas.
 
Ainda existe um discurso equivocado de que, quanto mais descuidada for nossa aparência --cabelo branco, unha por fazer, olheiras--, maior é nossa dedicação e, consequentemente, o progresso dos filhos. É como se tivéssemos que abrir mão de tudo ao dar à luz uma criança com deficiência. De uma hora para outra, sem que eu pudesse escolher, minha missão se tornou uma só: ser a mãe do Theo.
 
O autismo é muito mais comum do que se imagina
Cerca de 1% da população mundial é autista. E para que essa parcela seja de fato amparada socialmente, é preciso derrubar os estereótipos. O autismo é um espectro. ão existir desde aqueles que precisam de ajuda pelo resto da vida, que têm problemas motores e usam fraldas quando adultos, até aqueles que só têm dificuldade de interação e socialização, mas fazem faculdade e constroem uma família. Eles não são especiais!
 
Por mais que a Lei 9.394 obrigue instituições de ensino regular a aceitar crianças com deficiência, a realidade que encontramos é outra. Ainda há resistência e, quando não há, é o despreparo que choca. A criança vira um autista de estimação dentro da escola. A metodologia e o material pedagógico precisam ser adaptados.
 
O Theo está na segunda série de um colégio que segue moldes europeus, uma raridade no Brasil. Ele faz parte de uma sala de cotistas, que são atendidos de acordo om suas necessidades durante as disciplinas de alfabetização e participa das aulas coletivas -- música e educação física -- como qualquer outro aluno da instituição. As crianças adoram ele!
 
Eles têm muito a nos ensinar
Como muitos, o Theo não fala. Porém, já me deu verdadeiras aulas sobre o valor da vida. Ele tem uma delicadeza e sensibilidade única para lidar com detalhes. Ao vê-lo observando as folhas caírem pela janela ou a chuva molhar a rua lá fora, também me tornei uma pessoa mais contemplativa. Não lhe dei um irmãozinho, porque a chance de ter um bebê autista na segunda gestação é grande, cerca de 20%. E os custos para criar uma criança nessas condições é muito alto.
 
Hoje, meu maior medo é a incerteza sobre o que vai acontecer com meu filho após a minha morte. Tento acreditar no progresso da ciência. É o avanço da medicina que me acalma e me conforta.”

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