08/08/2017 às 11h24min - Atualizada em 08/08/2017 às 11h24min

A transferência recordista de Neymar: o que isso significa para o Barcelona, PSG e mais

Gabriele Marcotti
Getty
Há um verdadeiro caleidoscópio de pontos de vantagem a serem considerados sobre a transferência de Neymar da Silva Santos Junior, também conhecido como você-sabe-quem.
Não estamos falando apenas sobre o jogador de futebol mais caro de todos os tempos; estamos falando sobre o cara que custou mais de 250 milhões de dólares. Isso é igual a Paul Pogba mais Cristiano Ronaldo, sobrando o suficiente para pagar seus salários até o Natal.
Esse não é, como alguns afirmaram, o fim do futebol tal como conhecemos. Pode ser uma corajosa jogada divisora de águas do Paris Saint-Germain ou um erro colossal cometido por gente com mais dinheiro que noção ou, talvez, um intermediário. Ainda assim, são tantas consequências que vale a pena observar essa negociação por várias perspectivas.
É mais um contratempo psicológico do que futebolístico. É a terceira vez que uma cláusula de rescisão é usada por um clube rival para chegar ao Camp Nou e sair com um trunfo precioso. Vinte anos atrás, a Inter de Milão apareceu com US$ 27 milhões (não riam, jovens leitores, esse foi um recorde na época) e garantiu o Ronaldo original, o "Fenômeno". Em 2000, o Real Madrid conseguiu Luis Figo por US$ 74 milhões, inaugurando a era "galáctica" do Bernabéu.
Ronaldo foi o maior Melhor Jogador do Ano pela FIFA antes dos 21 anos; era difícil encontrar um jogador que não se chamasse Pelé que tivesse alcançado tanto sucesso tão jovem. Enquanto Figo, aos 28 anos, era um dos melhores meia-atacantes do mundo, embora o Real Madrid não estivesse comprando seu potencial,  mas o clube estava apenas o esfregando na cara da oposição.
No campo, o Barcelona pode se recuperar rapidamente sem Neymar. Não em termos de encontrar o sucessor de Lionel Messi, mas para voltar a ser um dos melhores times do mundo. Será caro: US$ 262 milhões é muito dinheiro para deixar guardado e os potenciais vendedores pedirão uma boa parte, mas, se bem feito, pode ser quase indolor.
E, talvez, ter apenas Messi e Suarez, em vez do celebrado trio MSN, dará ao novo técnico Ernest Valverde mais liberdade tática. O importante é que o Barcelona ganhou antes da chegada de Neymar, ganhou com o Neymar e provavelmente ganhará novamente sem ele.
A dor é interna. O Barcelona que perdeu Ronaldo e Figo não é o Barcelona atual. Aqueles times não estavam entre os três ou quatro melhores do mundo e o cenário futebolístico não era tão polarizado quanto é hoje. A mensagem aqui é que uma superestrela queria estar em outro lugar e isso é difícil de aceitar.
Também é difícil aceitar o modo como isso aconteceu. Não é tão simples quanto dizer que o Barça deveria ter estabelecido uma cláusula de rescisão mais cara; temos que lembrar quando Neymar e cia. assinou seu novo contrato há menos de um ano. Especialmente quando o Barcelona descobriu exatamente como sua equipe (isso é, seu pai) funciona.
Paris Saint-Germain
É como pegar a primeira escolha geral na loteria da NBA e escolher o melhor jogador disponível, ao invés de considerar a sua necessidade. A equipe do PSG já está repleta de meias-atacantes como Julian Draxler, Angel Di Maria, Lucas Moura, Hatem Ben Arfa, Javier Pastore e Gonçalo Guedes.
Claro, Neymar é melhor que todos eles (e nunca se terá ótimos jogadores demais), mas, em termos de alocação de recursos, não será fácil resolver. Se o clube passar alguns adiante, como imaginamos que fará, ele será um "vendedor motivado", ou seja, terão pressa em fazer a venda, o que derrubará o preço. O diretor esportivo Antero Henrique e o treinador Unai Emery têm muito o que considerar, mas não muito tempo.
Alguns traçam um paralelo com a contratação em 2012 de Zlatan Ibrahimovic, que ajudou o time a conquistar quatro títulos seguidos e a chegar às quartas de final na Liga dos Campeões. Ele chamou atenção para o PSG entre os maiores times europeus, mas é de se imaginar que Neymar precisará fazer mais para que sua contratação seja definida como um sucesso.
É uma situação difícil e dependerá não somente de Neymar, mas também daqueles ao seu redor. Aos 25 anos de idade, quanto ele pode melhorar realisticamente falando?
Neymar
Vamos começar com uma anedota. Durante minha viagem ao Brasil para a Copa das Confederações em 2013, eu liguei a TV. Durante os comerciais, cinco de sete propagandas tinham Neymar. Ele tinha 21 anos na época, já era o líder incontestável da seleção e era onipresente. É bem óbvio que ele tem sangue frio; poucas estrelas, de qualquer esporte, aguentam a pressão e escrutínio com seu nível de desenvoltura.
Talvez seja por isso que alguns acreditem na teoria de que essa transferência não seja apenas por notas de euro. Talvez ele realmente queira ser o superastro em um time bem-sucedido que possa chamar de seu (algo que não acontecerá no Barcelona enquanto Messi estiver por lá).
É ingenuidade dar-lhe o benefício da dúvida? Eu não tenho certeza. Ele definitivamente ganhará mais no PSG, mas não será uma diferença significativa. Nada comparado às oportunidades que aparecem quando se é uma lenda do Brasil e do Barcelona.
E há um lado oposto: essa transferência não é sem risco. O PSG, em termos de exposição e prestígio, não está na mesma categoria que o Barcelona, principalmente se não se esforçar. Algumas temporadas como a do ano passado sem futebol da Liga dos Campeões em abril podem ser suficientes para a queda da coroa Messi-Ronaldo, mesmo que ele jogue bem com o Brasil.
Independente de sua opinião sobre Neymar, não parece que foi algo motivado por ganância ou manipulação; é apenas um superastro querendo se desafiar de verdade, ao invés de continuar em um papel secundário.
Esqueça a reação histérica da La Liga e da Catalunha, e a discussão de pagamentos para ser o "rosto" do Catar em 2022 e outras besteiras. O FFP (financial fair play) não tem sido "relaxado". Ele ainda existe e é muito real (pergunte a Roma, Inter ou Galatasaray). E se o PSG não puder arcar com Neymar sem violar as exigências, nós descobriremos.
Mas não saberemos até o segundo semestre de 2018, quando as temporadas 2015-16, 2016-17 e 2017-18 forem cumulativamente avaliadas, se o PSG violou as regras do FFP, que ditam que no máximo U$35,6 milhões podem ser perdidos durante três temporadas, embora algumas despesas e lucros não estejam incluídos nesse cálculo.
E essa última parte é crucial. As contas oficiais do PSG apresentam um lucro de US$ 12 milhões para 2015-16, mas isso é praticamente irrelevante, pois mais de um quarto de seus lucros vem de um acordo de patrocínio com a Autoridade de Turismo do Catar, equivalente a cerca de US$ 240 milhões. A UEFA acredita que a quantia foi grosseiramente inflada e descontou dela 50%.
Ela tem o poder de fazer o mesmo, caso as coisas não se encaixem. E, por sinal, gastar US$ 262 milhões em Neymar não significa um golpe de US$ 262 milhões em suas contas. As taxas de transferência são amortizadas durante o período de um contrato, o que significa que custará um quinto do valor em seu primeiro ano.
Adicione os salários dele e o valor chegará a US$ 100 milhões, que embora ainda seja um número assustador (Messi está custando metade disso ao Barcelona), é possivelmente mais administrável se forem inteligentes com suas vendas e extraírem seu lucro comercial adequadamente.
UEFA
O corpo administrativo da Europa tem um vasto âmbito interpretativo em relação às "transações de terceiros", isto é, qualquer coisa que possa ser associada ao Catar, já que os novos funcionários do Neymar são efetivamente controlados pelo país, e não tem como dar um jeitinho para contornar a situação.
Se a UEFA suspeitar que um patrocínio foi inflado, envolverá especialistas que o compararão com referências da indústria e clubes comparáveis, e avaliarão um valor de mercado justo. É o que fizeram em 2013, quando o PSG e o Manchester City foram sancionados por motivos semelhantes.
Na época, os clubes receberam uma oferta de "acordo de resolução" (como um acordo judicial) em que concordaram em pagar certas multas e sofrer restrições como punição. Se outros clubes não acreditarem que o "acordo de resolução" é formal o suficiente, eles poderão recorrer e enviar o caso ao ramo adjudicatório de seu corpo administrativo financeiro, que tem plenos poderes e é completamente independente.
Agora isso é importante. Em 2013, principalmente por ser o primeiro ano do FFP, alguns acreditam que o PSG e o Manchester City foram poupados, embora não tenha havido reclamações à UEFA. É difícil ver esse cenário acontecendo novamente, não com o Barcelona e outros clubes grandes capazes de exercer pressão à UEFA. E principalmente não agora que eles são, oficialmente, parceiros de negócios na Liga dos Campeões e na Liga Europa.
Taxas de transferência
Alguns se preocupam com a "bolha do futebol" estourando, mas não estamos falando de comércios online ou de números pequenos. Quando o FFP foi introduzido em 2010, os clubes europeus estavam perdendo, no total, quase dois bilhões de dólares por ano. Agora, essas perdas caíram para US$ 300 milhões.
Não precisa ser economista para saber que é aceitável gastar mais se você estiver ganhando mais dinheiro; os lucros do Barcelona, por exemplo, subiram quase 70 por cento nos últimos sete anos. A grande maioria dos clubes mais ricos da Europa (aqueles que gastam muito em taxas de transferência) percebeu aumentos comparáveis. Mais ainda, a maioria deles é lucrativa.
Não é como se, já que o Neymar custa US$ 262 milhões, o Ingolstadt, Atalanta ou Celta de Vigo de repente precisassem gastar US$ 20 milhões para contratar um lateral direito decente. O que acontece no topo do mercado não tem efeito nas classes médias, assim como um gerente de fundo especulativo gastando US$ 1,5 milhão de dólares em um Lamborghini Diablo não interfere na possibilidade de alguém comprar um Sedan familiar por US$ 30.000,00.
Além disso, os mercados têm uma maneira de se corrigirem, principalmente agora que temos supervisão. Os contratos expiram e os jogadores (ou seja, patrimônios) podem ser vendidos. Esse não é o fim nem o começo do fim.
Pelo contrário, é uma negociação enorme causada por circunstâncias muito específicas e incomuns. O futebol vai ficar bem.

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