22/04/2019 às 16h21min - Atualizada em 22/04/2019 às 16h21min

Fertilidade: Vogue decodifica a ciência e as estatísticas

Enquanto as taxas globais de fertilidade estão mais baixas do que nunca, a preservação da fertilidade está em crescimento, graças a enormes avanços científicos. De IVF a seleção de embriões e doação de óvulos – Vogue conversa com os especialistas para entender a ciência e as estatísticas por trás da fertilidade moderna

vogue.globo.com - Emma Strenner – Vogue Internacional
As novas fronteiras na fertilidade (Foto: John Gribben)
O que lhe vem à mente primeiro quando o assunto é fertilidade? Para algumas, trata-se de um assunto emotivo; para outras, é algo em que não pensaram muito, talvez conheçam a história da amiga de uma amiga ou alguma experiência pessoal – mas o certo é que agora esse é um campo muito mais complexo e cheio de nuances do que simplesmente "ter um bebê." 
 
As coisas mudaram desde os anos do baby boom pré-geração Z, quando começar uma família era uma suposição inevitável para a maioria – e agora nos vemos do outro lado do espectro – uma queda no número de bebês. As taxas globais de fertilidade estão em sua baixa histórica, de acordo com o estudo Global Burden of Disease: o relatório destaca uma queda desde a década de 1950, quando o número médio mundial de filhos por mulher era de 4,7, para uma média de 2,4 filhos em 2017 (levando em conta as enormes disparidades entre países, com o número mais alto de 7,1 filhos no Níger, no oeste da África, e apenas 1 no Chipre).
 
Os motivos para a consistente queda global nas taxas de fertilidade são amplos – desde causas ambientais a variáveis econômicas e circunstanciais. O relatório Understanding Fertility, da Racounter, publicado no The Times em abril de 2018, revelou que um em cada seis casais apenas no Reino Unido tem dificuldades para conceber, o que torna a questão mais comum do que poderíamos esperar. E, se você estiver na faixa etária entre 25 e 45, tem grande probabilidade de conhecer alguém que esteja passando pelo processo de tratamento para fertilidade.
 
Todos os avanços tecnológicos em reprodução assistida ao longo dos últimos 50 anos trouxeram para muitos a opção de ter filhos quando, caso contrário, não poderiam: incluindo pessoas passando por questões de infertilidade, casais do mesmo sexo que querem começar uma família e mulheres que passaram por tratamentos de câncer. O ano de 2018 marcou o 40º aniversário do primeiro nascimento por fertilização in vitro, em 1978, e desde então muito mais de 8 milhões de bebês nasceram com a ajuda da fertilização in vitro - IVF. Adicione a isso o desenvolvimento da seleção de genes, crescimento da medicina reprodutiva, congelamento e doação de óvulos, e entramos em um grande novo mundo quando o assunto é fertilidade.
 

As novas fronteiras na fertilidade (Foto: John Gribben)

As novas fronteiras na fertilidade (Foto: John Gribben)


As novas fronteiras na fertilidade (Foto: John Gribben)
 
Óvulos e ovulação
O famoso relógio que corre é uma dura realidade quando se está esperando pelo momento certo. “Nascemos com todos os óvulos que teremos a vida toda”, explica a Dra. Randi Goldman, especialista em obstetrícia e ginecologia, endocrinologia reprodutiva e infertilidade na clínica Northwell Health, em Nova York.
 
“A reserva folicular ovariana com que você começa apenas diminui com a idade. Isso não apenas significa uma diminuição no número de óvulos, mas também anormalidades genéticas que têm maior probabilidade de aparecerem com a idade mais alta também. Em outras palavras, os óvulos têm maior probabilidade de serem geneticamente normais antes de uma mulher chegar na metade da casa dos 30. Essa normalidade fica comprometida depois dos 35, e novamente depois dos 37”, explica a Dra. Goldman.
 
Ela continua: “No útero, uma mulher terá de seis a sete milhões de óvulos (como um feto em cerca de 20 semanas de gestação). No nascimento, o número já cai para um a dois milhões de óvulos, e na puberdade restam de 300 mil a 400 mil óvulos. Uma mulher irá ovular aproximadamente 400 óvulos durante sua vida reprodutiva”.  
 
Em outras palavras, as mulheres ovulam menos de 1% de sua reserva folicular inicial. Enquanto as mulheres em idade reprodutiva geralmente ovulam um óvulo por mês, elas na verdade “perdem” centenas de óvulos por mês. O objetivo com a IVF é resgatar alguns desses óvulos que de outra forma se degenerariam.
 
A qualidade do esperma também conta
O Dr. Juan Antônio Garcia Velasco, diretor médico da clínica de fertilidade IVI Madrid, explica que metade dos pacientes que ele atende com questões de fertilidade são afetados por esperma anormal, destacando ainda mais o ônus igualitário quanto à qualidade do óvulo e do esperma em relação a uma gravidez bem-sucedida. “Ao observar a qualidade do esperma nos últimos 50 anos, ela cai continuamente, ele diz, uma observação comprovada por uma série de estudos internacionais.  
 

As novas fronteiras na fertilidade (Foto: John Gribben)

As novas fronteiras na fertilidade (Foto: John Gribben)


As novas fronteiras na fertilidade (Foto: John Gribben)
 
O aumento na preservação da fertilidade
Velasco diz que, enquanto um tratamento de fertilidade ainda é procurado principalmente para tratar de questões reprodutivas, mais e mais mulheres estão optando por tratamentos eletivos a fim de preservar a fertilidade, principalmente o congelamento de óvulos. “A cada ano a idade aumenta, hoje estamos vendo 37,2 como a idade média das mulheres que vêm à nossa clínica buscando tratamento. Atendemos algumas pacientes na casa dos 40 também, mas nosso limite de idade é 50”.
 
As pacientes de Velasco apresentam uma gama de motivos para irem à clínica, incluindo as que querem a opção de ter filhos depois de tratamentos invasivos, como quimioterapia, mas o mais comum, ele conta, são aquelas que não pensaram em seu desejo de terem filhos até ser tarde demais, quando suas chances – e óvulos – estão comprometidos pela idade.
 
Ele cita um período maior estudando e o foco na carreira como fatores que contribuem para a demora em ter filhos. No entanto, a principal motivação para o congelamento eletivo de óvulos “é porque elas não têm um parceiro e querem ter mais tarde a opção de terem filhos com a pessoa certa”. Nesses casos, a boa notícia é que enquanto a idade dos óvulos é importante, o mesmo não ocorre com a idade do útero.
 
“A idade mais eficiente para o congelamento de óvulos é, em média, 34”, aconselha a Dra. Goldman. “Mulheres mais jovens que consideram congelar seus óvulos têm mais tempo para encontrar alguém e ficar grávida à moda antiga. Quem busca o melhor custo-benefício deve pensar nisso antes dos 37, já que depois dessa idade pode haver mais problemas para engravidar”.
 
FIV no mundo
Apenas na clínica IVI, em Madri, Velasco declara que 20% dos pacientes são internacionais. Enquanto os especialistas da casa são um atrativo, motivos financeiros e legislações diferentes em cada país também contribuem para a “fertilização além das fronteiras”, como Velasco chama. “As regras são diferentes, mesmo dentro da União Europeia, e é fácil voar de um país para outro. Muitos pacientes vêm à Espanha para seleção de embriões, por exemplo (onde embriões são testados para verificar anormalidades genéticas), ou doação de óvulos [que é ilegal em alguns países como, por exemplo, na Alemanha], ou em casos em que há uma enorme fila de espera”, Velasco explica.
 
A Espanha, por exemplo, sempre manteve uma posição bastante liberal na área. A doação de gametas (esperma e óvulos) é permitida desde 1988, enquanto em outros países europeus as leis variam – em alguns países, como na Alemanha, Itália e Áustria, a doação de óvulos é ilegal, e outros – como a França – proíbem qualquer forma de compensação, seja financeira ou outra, em troca da doação de óvulos.
 
“Na Espanha, as doações devem permanecer anônimas, enquanto no Reino Unido a identidade de um doador pode ser buscada uma vez que o filho atinja 18 anos de idade. Por conta dessa lei de anonimidade na Espanha, casais não podem usar um doador que conhecem. O que significa, por exemplo, que aqueles que querem usar o óvulo ou esperma de um irmão ou irmã para manter os genes dentro da família não poderiam fazê-lo, por conta do relacionamento existente entre o casal e o doador”. 
 

As novas fronteiras na fertilidade (Foto: John Gribben)

As novas fronteiras na fertilidade (Foto: John Gribben)


As novas fronteiras na fertilidade (Foto: John Gribben)
 
Inovações que irão mudar o cenário da fertilidade
A tecnologia de seleção de embriões se desenvolveu de forma que pode ser combinada com o tratamento padrão de IVF (disponível no mundo todo), para taxas de sucesso mais altas. “A triagem por cromossomos e anormalidades evita transferir embriões que nunca vão dar certo. Ela torna o tratamento muito mais eficaz e dobrou a taxa de sucesso da fertilização in vitro nos últimos 10 anos. Um embrião perfeito, por exemplo, pode ter taxa de sucesso de 60% a 65%”, Velasco explica.
 
“A triagem genética por doenças específicas significa que podemos potencialmente ajudar casais a terem um filho saudável também”, a Dra. Goldman completa.
 
Velasco também menciona que pesquisas estão em andamento “para melhorar a qualidade do oócito [célula do óvulo em desenvolvimento] e reduzir o envelhecimento dos ovários. Depois dos 35 anos de idade, o DNA já está danificado, e há uma enorme área de pesquisa e desenvolvimento com foco na restauração desse dano”. A tecnologia busca usar células-tronco para melhorar a qualidade do óvulo – algo que pode mudar totalmente o cenário na área de tratamentos de fertilidade.

Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »