A morte de presos no sistema carcerário do Rio de Janeiro aumentou dez vezes, em quase 20 anos, segundo levantamento da Defensoria Pública do Estado. De 26 presos mortos em 1998, o número subiu para 266 óbitos, em 2017. No período, o total de presos mortos foi de 2.416. No mesmo período, a massa carcerária aumentou de 9 mil presos para 51 mil, mas crescimento menor, de quase seis vezes.
A deficiência na prestação de serviços de saúde nos presídios, segundo a defensoria, é uma das principais causas da mortalidade.
Os dados mostram que dos 83 presos mortos entre 2014 e 2015, 30 apresentavam sinais de emagrecimento excessivo e desnutrição, segundo o laudo cadavérico. De acordo com o estudo, 53 pessoas morreram de tuberculose, pneumonia e complicações decorrentes de infecções pulmonares, sendo 35 delas tinham menos de 40 anos de idade.
O número gerou o alerta que motivou a Defensoria Pública a ingressar com uma ação civil pública (ACP), com pedido de tutela antecipada, requerendo ações imediatas para resolver ou mitigar o problema. Entre as medidas, está a contratação urgente de pessoal de saúde, pois o levantamento mostrou que, embora a massa carcerária tenha crescido fortemente, o número de médicos, enfermeiros e técnicos de saúde ligados à Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) foi reduzido.
Segundo o levantamento, em 1998 o Rio tinha 20 unidades prisionais e uma população carcerária de 9 mil presos, atendida por 1,2 mil servidores de saúde concursados. “Em 2011, o número de unidades prisionais subiu para 41, e o de presos para 28,6 mil. No entanto, a quantidade de profissionais da saúde concursados caiu para 700 – ou seja, quase a metade”, destacou a defensoria.
“O mais importante é a falta de assistência à saúde das pessoas privadas de liberdade. Falta de assistência tanto do município, quanto do estado. O último concurso público para profissionais de saúde pela Sea´p foi em 1998. As pessoas estão se aposentando e não há servidores para repor”, afirmou a defensora pública Raphaela Jahara, Coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva, que subscreve a ACP, juntamente com o defensor Marlon Barcellos.
Faz parte da ACP uma relação do número de presos mortos em cada ano, no sistema prisional. Em 1998, foram 26 mortes; em 1999, 48; 2000, 67; 2001, 87; 2002, 102; 2003, 87; 2004, 104; 2005, 92; 2006, 80; 2007, 77; 2008, 108; 2009, 99; 2010, 125; 2011, 130; 2012, 143; 2013, 133; 2014, 146; 2015, 183; 2016, 258; 2017, 266. Em 2018, até dia 12 de abril, foram 55 casos.
A defensora pública considera que é urgente uma solução ao problema. A falta de atendimento médico em unidades da Seap faz com que presos de outros municípios, como Campos dos Goytacazes e Volta Redonda, sejam levados para o Complexo de Bangu, gerando gastos desnecessários em logística e sem que esses detentos tenham um local digno para aguardar até o seu retorno à unidade de origem, o que pode levar até uma semana, segundo Raphaela. “É uma logística tão absurda, mas isto acontece.”
Também faltam insumos e medicamentos, de acordo com defensora. “O ideal é que haja um ambulatório de atendimento em cada unidade da Seap. Na verdade, as pessoas que passam mal são levadas para a UPA [Unidade de Pronto Atendimento] e são medicadas. Mas depois que são estabilizadas, voltam para a unidade e não têm medicamento. Elas não têm tratamento nenhum, passam mal de novo e acabam voltando para a UPA”, relatou. “A maioria dos presos tem que comprar os medicamentos. No caso dos presos que recebem visita, os medicamentos são quase todos comprados pela família. Os que não têm família, ou que a família não tem condições, ficam sem os medicamentos."
A defensora informou que o município foi citado na ação civil pública – embora o sistema penitenciário seja responsabilidade do estado – porque unidades de saúde e hospitais municipais dificultam o atendimento a presos. “Em algumas unidade e hospitais públicos do município, eles não conseguem acesso a consultas e procedimentos. "As unidades se negam a receber. Alegam problemas de segurança.”
Segundo Raphaela, a verba depositada pelo Ministério da Saúde (MS) para o atendimento aos presos não está sendo utilizada por problemas burocráticos entre secretarias de estado e do município.
“Quem deveria comprar os medicamentos são os municípios. Mas o município do Rio não aderiu à política do Ministério da Saúde de fornecimento de medicamentos aos presos. Então, o dinheiro está sendo repassado à Secretaria Estadual de Saúde, que brigam sobre a compra dos medicamentos. Há cerca de R$ 1,8 milhão depositados em uma conta para a compra e os medicamentos ainda foram comprados”, disse.
Os dados mostram que o maior índice de óbitos é decorrente de diabetes, hipertensão e doenças pulmonares, como pneumonia e tuberculose, todas totalmente evitáveis. Também aparecem sífilis e Aids.
“Na verdade, o atendimento à saúde é praticamente inexistente. As pessoas não têm acesso nenhum [a tratamento]. Elas vivem em condições indignas e não têm acesso à nada.”
A ação foi distribuída para a 16ª Vara de Fazenda Pública e, segundo a Defensoria, a juíza responsável pelo caso entendeu em ouvir primeiro o estado e o município, antes de apreciar o pedido da liminar.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou que vem participando de mesas de debate junto à Defensoria Pública e ao Ministério Público, visando a elaboração do Plano de Atenção Integral à Saúde de Pessoas Privadas de Liberdade no
Sistema Prisional. Segundo o órgão, convênio firmado entre os governos do estado e do município estabeleceu que cabe ao Estado a “exclusiva responsabilidade operacional, econômica e financeira da atenção à saúde da população privada de liberdade no município do Rio, incluída a atenção básica”.
Em nota, a Secretaria de Saúde disse que a Secretaria de Estado de Atenção Penitenciária (Seap) conta com uma UPA dentro do Complexo de Gericinó que, em caso de necessidade de atendimento de emergência em unidade hospitalar especializada, faz a regulação do paciente, em sistema de vaga zero, para atendimento em unidade da rede regular, seja municipal ou estadual. Segundo o comunicado, a Seap conta ainda com um médico regulador, com status semelhante ao de um médico regulador da atenção primária, capaz de regular até 85% dos tipos de procedimentos disponíveis.
Sobre o fornecimento de medicamentos, a SMS informou que a responsabilidade é também do Estado, porém, em caso de necessidade e conforme solicitação do governo estadual, o município pode auxiliar no provimento.
"Foi o que aconteceu no ano passado, durante o período mais crítico da crise do estado, em que a Prefeitura forneceu os medicamentos solicitados pela SEAP para atenção aos pacientes internos do sistema prisional. Da mesma forma, a SMS vem colaborando com o Estado na realização de inspeção sanitária de presídios e disponibilização de treinamento técnico para as equipes da SEAP para diagnóstico e tratamento de tuberculose e outras doenças dentro das unidades penitenciárias.
Procurada, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária disse que as demandas são "justas" e que a ação da defensoria "é um importante instrumento que irá contribuir para melhora das condições de saúde no sistema prisional, assim como outras ações que estão sendo feitas, desde janeiro, com o mesmo objetivo".
Segundo a secretaria, está sendo feita uma parceria com a Secretaria de Estado de Saúde para a colocação de equipes nas portas de entrada do Sistema Prisional do Estado. Com a colaboração do Tribunal de Justiça, será construído um ambulatório na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica.
Outra providência é a compra de medicamentos e insumos de saúde e o aparelhamento de 44 ambulatórios de unidades prisionais, por meio de convênio com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
Também está em andamento o processo seletivo para contratação de profissionais de saúde e estado e municípios devem vão aderir à Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade (PNAISP).
Em relação ao número de mortes, a SEAP informou que, no ano de 2010, foram 125 mortes para um efetivo carcerário de 25.708 internos, o que representa 0,49%. “Em 2014, ocorreram 146 mortes para um efetivo carcerário de 39.611 internos, o que representa 0,37%. Já em 2018, o número de óbitos é de 137 internos para um efetivo carcerário de 51.881, o que representa 0,26%”, informou a secretaria.
A Secretaria Estadual de Saúde disse que vai levantar os dados.