LEGENDA - Jose Adil Blanco de Lima, doutor em história social pela USP As Nações Unidas marcam neste dia 31 de agosto o Dia Internacional para Pessoas Afrodescendentes, com objetivo trazer à luz a importância dessa data, o JCN fez uma entrevista exclusiva com o professor Jose Adil Blanco de Lima, doutor em história social pela USP, já atuou como professor colaborador na UEPG e UENP. Atualmente integra o grupo NEABI-Beatriz Nascimento da UENP. Confira abaixo a entrevista.
JCN– Qual a sua experiência enquanto professor da disciplina de Educação para as Relações Étnico-Raciais?
José Adil - Minha experiência lecionando as disciplinas de história da África, das Relações Étnico-Raciais e da Cultura Afro-Brasileira e Indígena é relativamente curta. Na realidade, minha formação e área de especialização se deu quase toda na área de história intelectual, história da historiografia e teoria da história.
Foi apenas a partir de 2021, quando comecei a trabalhar como Professor Colaborador da UENP que passei a trabalhar com essas questões e a atuar no NEABI-Beatriz Nascimento da mesma Universidade.
No entanto, eu já tinha um certo contato com essas questões em razão de uma proximidade familiar. Minha família por parte de pai é toda negra, tenho vários tios e primos que militam há décadas em movimentos negros e antirracistas. Então esse é um tema que sempre tive certa familiaridade. Lecionar essas disciplinas acabou se transformando numa oportunidade para me aprofundar mais nesses assuntos.
A experiência de trabalhar esses assuntos com os alunos tem sido, em geral, bastante positiva, pois são assuntos que nos ajudam a entender de maneira mais direta a realidade do Brasil, um país de imensas desigualdades sociais e raciais, um país mestiço, de profundas heranças escravocratas, cuja maior parte da população é afrodescendente.
É muito interessante como essas discussões afetam a própria identidade de muitos alunos, que muitas vezes são negros ou mestiços, e que passam a se entender e se aceitar melhor.
JCN– Você acha que aqui no Brasil a luta por igualdade e direitos é compatível a outros países?
José Adil - O Brasil, assim como outros países de herança escravista e colonial, tem uma longa história de lutas por igualdade e direitos. No entanto, essa história ainda é muito pouco conhecida ou divulgada. Muita gente tem mais facilidade de lembrar das lutas antirracistas de lideranças norte-americanas, como Marthin Luther King, Malcon X ou Angela Davis, do que de lideranças nacionais, como Abdias Nascimento, Clóvis Moura, Beatriz Nascimento, entre outros.
JCN– Você considera o Brasil um país racista?
José Adil - Não acho que essa seja uma questão de opinião, trata-se de uma constatação empírica. O Brasil sempre foi e continua sendo um país extremamente racista. Porém, o racismo brasileiro tem uma particularidade que o diferencia do racismo de tendências segregacionistas, como nos EUA ou na África do Sul do Apartheid: o racismo brasileiro tende a negar a si mesmo.
Sobretudo nos governos mais autoritários de nossa história – penso aqui no Império escravocrata (1822-1889), o Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) e no Regime Militar (1964-1985) – o Estado brasileiro buscou patrocinar e difundir a ideia que chamamos de “democracia racial”, ou seja, aquela ideia de que nós, brasileiros, ao contrário de todos os outros povos do mundo, não cultivamos nenhuma espécie de preconceito racial, que nós somos o povo mais amistoso, cordial, tolerante e hospitaleiro do mundo.
É uma ideia que fez e ainda faz bastante sucesso porque ela é positiva e atraente, ajuda a aumentar a auto-estima nacional. No entanto, é uma ideia que não corresponde à realidade.
Na realidade, o Brasil foi o país mais escravocrata do mundo, aquele que adquiriu o maior número de escravos africanos – quase metade (40%) dos africanos que foram escravizados nas Américas entre os séculos 16 e 19 vieram para o Brasil! -, e que teve a escravidão mais generalizada e longa – os primeiros escravos africanos chegaram ao Brasil por volta de 1560 e o Brasil foi o último país do mundo a abolir formalmente a escravidão, em 1888.
Mesmo após a abolição, o Estado brasileiro nunca se esforçou para incorporar as populações negras a sociedade. Até hoje, inúmeras pesquisas e dados demográficos, levantados pelo IBGE ou outros institutos de pesquisa, indicam uma enorme desigualdade racial no país.
A população negra tem menos acesso à educação, à saúde, ao mercado de trabalho, vive nas regiões mais pobres e perigosas, é a população mais assassinada e agredida pelas polícias, é a maior representante da imensa população carcerária, etc.
Além desses dados, o racismo brasileiro também tem sido bastante retratado pela imprensa, sobretudo nos últimos anos. Uma pesquisa do IPEC, realizada no ano passado, mostrou que a própria percepção do racismo aumentou bastante por parte dos brasileiros. Mais de 80% dos entrevistados consideram o Brasil um país racista, e mais da metade diz ter presenciado algum tipo de ação racista.
JCN– O que é racismo estrutural?
José Adil - A noção de “racismo estrutural” é bastante complexa, ela já foi pensada de diversas maneiras por diferentes pensadores. Aqui no Brasil, a principal figura a trazer essa discussão para o debate foi o atual Ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida.
Em linhas gerais, a noção de racismo estrutural nos mostra que o racismo é profundamente enraizado nas instituições, que o racismo permeia toca a estrutura social, econômica e política do país.
JCN– Qual a diferença entre racismo, preconceito e discriminação?
José Adil - Uma das maiores contribuições do livro “Racismo estrutural”, de Sílvio Almeida, está na distinção que ele estabelece entre preconceito racial, discriminação racial e racismo. De acordo com o autor, o preconceito racial é o juízo baseado em estereótipos acerca de indivíduos que pertençam a um determinado grupo racializado. Um preconceito racial é, por exemplo, considerar que negros são sempre violentos e bandidos, que judeus são sempre avarentos, que orientais são sempre bons em matemática, etc.
Enquanto o preconceito existe apenas no plano do pensamento, a discriminação racial envolve ações, formas de tratamento diferenciadas e desiguais a pessoas ou grupos em razão das suas origens ou aparências raciais. Temos exemplos de discriminações raciais quando hotéis, lojas ou restaurantes se recusam a aceitar ou oferecem tratamento diferenciado a determinadas pessoas em razão de suas origens ou da cor de sua pele.
E o racismo, por fim, se difere do preconceito e da discriminação pelo seu caráter sistêmico. Ou seja, o racismo não é apenas o conjunto de discriminações realizadas por indivíduos ou grupos isolados. O racismo também está naturalizado e rotinizado no funcionamento das instituições sociais e políticas, que conferem privilégios a grupos raciais brancos e desvantagens a grupos raciais não-brancos. Isso quer dizer que o racismo não é uma transgressão, uma anomalia ou um ponto fora da curva. Pelo contrário, ele é inerente à ordem social, é algo que faz parte da própria estrutura social.
JCN– Em sua opinião qual a melhor forma de combater o racismo? Você acredita, que as leis do país que tentam coibir a prática de racismo e injúria racial são suficientes?
José Adil - O racismo é um fenômeno bastante complexo e profundamente enraizado na estrutura da sociedade brasileira. Combatê-lo certamente não é tarefa das mais fáceis. As leis atuais que coíbem a prática de racismo e injúria racial são importantes, mas por si só, são insuficientes. Também é fundamental que se difunda de maneira cada vez mais generalizada uma educação antirracistas, além da manutenção e ampliação de políticas públicas mais inclusivas, como o sistema de cotas raciais e as políticas afirmativas.
JCN– Em sua análise, as pessoas nascem racistas ou se tornam de acordo com o meio em que vivem?
José Adil - Ninguém nasce racista, os preconceitos racistas são aprendidos, geralmente já nos primeiros anos de vida, através do convívio familiar e de diversas influências sociais e culturais do mundo racista em que vivemos.
JCN– O dia 31 de agosto, o mundo une-se pelo Dia Internacional das Nações Unidas para as Pessoas Afrodescendentes, você considera essa data importante e por quê?
José Adil - O dia internacional das Nações Unidas para as pessoas afrodescendentes é uma data ainda pouco conhecida porque foi estabelecida apenas há 3 anos atrás. Trata-se, sem dúvidas, de uma data importante, que faz parte dos projetos da ONU de combate ao racismo e de valorização das contribuições culturais e históricas das populações afrodescendentes do mundo inteiro.
No entanto, aqui no Brasil, ainda é muito mais importante para a luta antirracista o dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares.