12/04/2021 às 11h36min - Atualizada em 12/04/2021 às 11h36min

Promotor de Justiça de Siqueira Campos explica sobre Ação Civil Pública

Isaele Machado - JCN
Promotor de Justiça titular da comarca de Siqueira Campos, Bruno Fernandes Ferreira
Nesta semana o JCN entrevistou o Promotor de Justiça titular da comarca de Siqueira Campos, Bruno Fernandes Ferreira. O principal objetivo da entrevista é demonstrar à população como funciona uma Ação Civil Pública e como o Ministério Público age. O Promotor nos atendeu com atenção e seriedade, abaixo você confere o conteúdo da entrevista na íntegra.
JCN – Dr. Bruno o que é uma Ação Civil Pública?
Dr. Bruno - Ação Civil Pública é uma das formas de tutela de interesses coletivos existentes no ordenamento jurídico brasileiro. Dentro desse universo de medidas destinadas a proteger direitos transindividuais temos também a ação popular e o mandado de segurança coletivo.
Só para contextualizar: Direito individual é aquele titularizado por uma pessoa específica. Exemplo: Direito de propriedade de uma casa ‘X’. Se terceira pessoa destrói aquela casa, sabemos que o direito individual do proprietário foi atingido. E, portanto, ele pode ajuizar uma ação indenizatória, por exemplo. O direito coletivo (lato sensu) tem dinâmica diferente. É aquele direito que pertence a todo mundo (chamados de “direitos difusos”) ou a grupos de pessoas determináveis (chamados de “direitos coletivos em sentido estrito”). Existem ainda direitos individuais que por serem homogêneos podem ser defendidos em ação civil pública.
Exemplo: O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito difuso. Pertence a mim, a você, e a todo mundo. Agora imagine o caso de um colégio que coloca uma cláusula abusiva nos contratos dos estudantes. Só tem direito a retirada da clausula abusiva quem assinou contrato com a instituição de ensino. Logo, direito coletivo em sentido estrito. Por fim, o direito individual homogêneo pode ser exemplificado como o de pessoas que tenham comprado um lote específico de pacote de açúcar no mercado. O pacote é de 1 kg, mas na verdade, tinha apenas 900gr no lote que essas pessoas compraram. São consumidores lesados que pagaram a mais do que deveriam por erro do fabricante. Cada um desses sujeitos pode pedir de volta o equivalente a 100 gr. Pode fazer isso individualmente (gerando muitas ações individuais) ou numa única ação ao judiciário que beneficiará a todos.
JCN– Como funciona?
Dr. Bruno - A pessoa ou entidade legitimada pela lei para ajuizar a ação deve apresentar um pedido ao Poder Judiciário junto com os documentos pertinentes. Se houve pedido de tutela de urgência (liminar) haverá decisão de imediato pelo Juiz(a). Depois o(s) réu(s) são citados. É possível audiência de conciliação (a depender do caso). Em seguida, há apresentação da defesa pelos réus e realização das provas (tanto do autor como da defesa) – que podem ser oitiva de testemunhas, prova pericial, etc. Após as partes apresentam alegações finais. E, por fim, o juiz dá sentença. Havendo recurso os autos são enviados ao Tribunal de Justiça.
JCN - Quem pode propor?
Dr. Bruno - No Brasil não é qualquer pessoa que pode propor Ação Civil Pública. Por se tratar de interesse que suplanta a órbita individual das pessoas, a lei define previamente quem poderá se valer desse instrumento de defesa. A Lei mais importante nesse tema é a  Lei Federal n. 7.347/1985. Outras leis também tratam do assunto (exemplo: Estatuto do Idoso, Código de Defesa do Consumidor, etc.). Em resumo, podem propor Ação Civil Pública: Ministério Público, Defensoria Pública, Administração Publica Direta (União, Estados, Distrito Federal, Municípios) e Indireta (Autarquia, Empresa Pública, Fundações e sociedades de economia mista), Associação (requisitos: pré-constituição de 01 ano e pertinência temática entre os fins da associação e o objeto da demanda).
JCN – Em que casos pode propor?
Dr – Bruno - A Ação Civil Pública pode ser proposta em casos de LESÃO ou AMEAÇA de lesão de direitos coletivos lato sensu (difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos). Exemplo: Meio ambiente, direitos do consumidor, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, ordem urbanística, honra e dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, patrimônio público e social, etc.
JCN – Qual é o objetivo?
Dr. Bruno - O objetivo é defender os direitos coletivos em sentido amplo. Pode ser qualquer pedido desde que pertinente com o direito que se protege.
Exemplo: o pedido de indenização quando já houve o dano ao interesse coletivo. (Em Siqueira Campos ajuizamos ACP para que determinada pessoa fosse obrigada a pagar indenização ao fundo municipal de saúde por conta de reiteradas infrações às normas sanitárias o que configura dano social - https://mppr.mp.br/2021/03/23484,11/Promotoria-de-Justica-de-Siqueira-Campos-aciona-judicialmente-jovem-de-19-anos-que-promoveu-festa-clandestina-com-cerca-de-35-pessoas-em-chacara.html).
Pode ser pedida a determinação de que determinada pessoa faça algo ou não faça algo (exemplo: em Siqueira Campos ajuizamos ACP para que um determinado estabelecimento comercial obedeça as normas preventivas para evitar a infecção do COVID, sob pena de pagamento de 10 mil reais, além de outras sanções – não há notícias publicadas sobre esse caso; a ação foi necessária porque o estabelecimento não obedeceu as notificações da fiscalização).
Outro exemplo é a Ação Civil Pública que ajuizamos pedindo que o Poder Judiciário obrigasse o Município de Siqueira Campos a dar destino a um imóvel que pertence ao Município e que estava instalada a ZBM (https://mppr.mp.br/2020/09/22941,11/MPPR-obtem-liminar-em-acao-para-que-Municipio-de-Siqueira-Campos-de-destino-a-imovel-publico-abandonado-usado-para-pratica-de-crimes.html)
JCN - Como o MP age?
Dr. Bruno - Nas Ações Civis Públicas o MP será parte (quando entra com a ação) ou será fiscal da ordem jurídica (quando outro legitimado entra com a ação).
JCN - Qual a diferença entre ação civil pública e audiência pública?
Dr. Bruno - Ação Civil Pública é uma ação apresentada ao Poder Judiciário em que serão produzidas provas e ao final haverá uma sentença determinando que seja realizada alguma conduta (indenizar, fazer, não fazer, etc.).
Já audiência pública é uma reunião feita de portas abertas à população com vistas a apresentar, esclarecer, justificar pontos diretamente ao povo (quem é, por força da Constituição Federal, detentor do poder).  As audiências públicas tem por fim coletar, junto à sociedade e ao Poder Público elementos que embasem decisão do órgão do Ministério Público quanto a matéria objeto da convocação.
JCN - O que é Inquérito Civil?
Dr. Bruno - Inquérito Civil é um instrumento de investigação em que o Ministério Público poderá apurar a ameaça ou efetiva lesão a direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. O artigo 6º da Lei 7.347/85  diz que “Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção”.
Por meio do Inquérito Civil o Ministério Público vai reunir elementos sobre o fato investigado. Pode requisitar documentos, ouvir testemunhas, colher provas documentais, etc.
A recusa, retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura Ação Civil requisitados pelo Ministério Público é crime punido com reclusão de 1 a 3 anos – Artigo 10 da Lei 7.347/85.
O nome é parecido com Inquérito Policial mas não são a mesma coisa. O IC é de atribuição do Ministério Público (Promotor de Justiça) enquanto o IP é da Polícia Civil (Delegado de Policial). O IC é para ameaça ou lesão de direitos coletivos e o IP para crimes. O Ministério Público também pode investigar crimes, mas o nome do instrumento usado é “Procedimento Investigatório Criminal”.
JCN - Quando o MP faz alguma recomendação ao Executivo ou Legislativo eles são obrigados a cumprir?
Dr. Bruno - Recomendação administrativa é instrumento disponível ao Ministério Público pela Lei 8.625/1993 (Artigo 27, parágrafo único, inciso IV) e autoriza o ente ministerial a recomendar a órgãos públicos, concessionários ou permissionários de serviço público ou quaisquer outras entidades que exerçam função delegada do Estado ou do Município a adoção de providências (para prevenir lesão de direitos ou cessação de violações à ordem jurídica).
A recomendação não tem caráter cogente (obrigatório), contudo, é um documento que externa fundamentadamente as providências que o Ministério Público entende pertinentes a salvaguardar interesses. E por isso, havendo descumprimento de recomendação, abre-se a via de imposição de suas pretensões por meio de Ação Civil Pública, por exemplo. A recomendação serve de advertência sobre as consequências jurídicas que poderão advir caso sejam descumpridas as determinações.
JCN- Se não cumprirem e isso resultar em danos à população, o que acontece?
Dr.Bruno - Se foi expedida recomendação pelo Ministério Público e o seu destinatário não cumpriu as providências recomendadas será possível tomar as medidas jurídicas cabíveis no caso concreto. São inúmeras possibilidades. Exemplo: Ministério Público recomenda que determinado servidor municipal seja retirado do seu desvio de função, caso o Administrador não o faça, caberá Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa em que o Ministério Público pedirá a aplicação das sanções ao administrador (que podem ser suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade de bens, multa civil, ressarcimento ao erário). Além da punição, poderá ser pedido judicialmente a providência desatendida (retirada forçada do servidor em determinada função).
As vezes o desatendimento de uma recomendação pode deixar claro uma conduta criminosa. Nesse aspecto o fato será perseguido ´na Justiça Criminal, sendo imputada a prática do crime.
Como são plurais as situações que admitem recomendação administrativa e, igualmente, são inúmeras as consequências advindas, o importante é saber que no próprio texto da recomendação são explicitadas as consequências legais decorrentes da omissão ou do não acatamento.
JCN - A população pode fazer denúncias diretamente ao MP?
Dr. Bruno - Sim. E é muito importante que venham a Promotoria. O Ministério Público existe para atender a população. Todo servidor público existe para isso, mas essa função é destacada no Ministério Público. O Promotor de justiça é o advogado de todos da sociedade. É certo que não pode exercer representação de interesses individuais, deve sempre ter um aspecto coletivo/social.
É dever do Ministério Público realizar o atendimento ao público. Em Siqueira Campos fazemos esse atendimento por WhatsApp, telefone ou e-mail. Fora da pandemia o atendimento é presencial também.
Rua Rio Grande do Norte, 1932 - Vila Santa Isabel, Siqueira Campos - PR, 84940-000.
E-mail: [email protected] – Telefone: (43) 3571-1503 – WhatsApp e Telefone.
Os atendidos podem prestar informações e pedir sigilo de seus dados.
JCN - O que o MP fazer quando há omissão da Administração Pública com relação às informações de interesse coletivo?
Dr. Bruno - Todo ente que possua informações de interesse coletivo é devedor de transparência. Por isso hoje há obrigação da Administração Pública manter um “portal de transparência” com informações detalhadas de tudo o que envolve o setor público.
Caso esse dever seja desatendido, o Ministério Público requisitará o cumprimento imediato. Caso permaneça a omissão, será caso de providências visando punir o servidor omisso e também a ampla divulgação dos dados.
JCN - Existe a possibilidade de haver duas ações ao mesmo tempo? Por exemplo, um grupo entra com uma Ação Civil pedindo um lockdown e o outro grupo afirma que não há necessidade porque está tudo certo. Tem como? O que acontece?
Dr. Bruno - No caso específico não vejo possibilidade de suas ações conflitantes. Isso porque o “lockdown” será pedido judicialmente (em Ação Civil Pública) caso a Administração Pública não o tenha determinado por meio de decreto. Para ajuizar uma ação é preciso que se seja demonstrada a necessidade de acionar o Poder Judiciário. Se, por exemplo, o Lockdown já está implantado, não há razão para existir uma ação pedindo sua decretação.
O que pode existir é uma Ação Civil pedindo a decretação do lockdown, por exemplo, e no bojo da demanda exista manifestação processual de grupo de pessoas defendendo o insucesso do pedido inicial.
JCN - Qualquer cidadão, sem ser representante de classes pode acionar o MP quando há denúncias relacionadas aos órgãos públicos?
Dr. Bruno - Sim. O Ministério Público existe para atender qualquer pessoa! Não precisa nem ser “cidadão” (que no conceito jurídico é apenas aquela pessoa que tem direitos políticos). Qualquer pessoa pode informar o MP de fatos significativos. Caso a demanda apresentada não seja de atribuição do MP, o atendido será informado e destinado ao local apropriado. Na dúvida, venham ao MP.
JCN - Quando o cidadão pode acionar o MP, em busca de algum direito fundamental? Precisa de advogado?
Dr. Bruno - Não. O Ministério Público atende diretamente a pessoa.
JCN - Como funciona o habeas data?
Dr. Bruno - O habeas data é uma ação constitucional que tem por fim acesso ou modificação de informações constantes em registros e banco de dados governamentais ou de caráter público.
O habeas data não pode ser usado para acessar informações de terceiras pessoas.
E para a utilização do Habeas Data é necessária a recusa no fornecimento/alteração dos dados pelo detentor da informação.
 

 

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