29/03/2021 às 12h29min - Atualizada em 29/03/2021 às 12h29min

Médico do HC faz desabafo após morte de jovem por Covid-19: ‘Liguei para a mãe dela para que se despedissem’

Por Guilherme Lara da Rosa/Banda B
Ilustrativa
O médico Mauro Tamessawa, do Hospital de Clínicas (HC) de Curitiba, usou as redes sociais para compartilhar um relato e expressar parte da angústia que tem sentido durante a atuação na linha de frente no combate à Covid-19. O profissional da saúde expôs, neste sábado (27), o caso de uma paciente jovem que morreu em decorrência da doença após ser intubada.
“Domingo tive um caso de COVID muito grave numa mulher jovem, 29 anos, mãe de 3 filhos. Era necessário colocá-la na ventilação mecânica. Quando falei para ela isso, ela ficou com muito medo, desesperada”, disse Tamessawa em sua publicação no Facebook.
O médico afirmou que a mulher chegou a fazer um pedido antes de ser intubada: “Antes de sedá-la ela me pediu que se não conseguisse tirar o tubo dela, que era para não a acordar, pois não queria mais sofrer… muito triste”.
A morte, porém, aconteceu. Mauro relatou ter chorado a partida dela. No entanto, explicou ter agradecido a Deus por ter ligado à mãe da jovem para que ambas pudessem se despedir antes da intubação.

Sobrecarga

O cansaço físico e o desgaste emocional daqueles que acompanham diariamente a luta dos pacientes infectados pela doença que já matou mais de 300 mil pessoas no Brasil evidenciam um cenário caótico e desesperador.
Por de baixo dos equipamentos de proteção individual (EPIs) há histórias, medos, preocupações, estresse.
O médico do HC também relatou como tem sido a rotina de trabalho no maior hospital do Paraná. “A tarde e fim de semana eu fico com mais 1 colega gerenciando 3 andares do hospital, com aproximadamente 60-70 pacientes COVID, praticamente todos precisando de oxigênio, e cada vez mais pacientes precisando de cuidados dados em uma UTI”, descreveu.
“A gravidade dos pacientes tem só subido nas últimas semanas. Cada vez doentes mais graves e complexos”.
A afirmação sobre o novo perfil dos pacientes que tem sofrido com o agravamento do coronavírus é o que os médicos da linha de frente têm percebido nas últimas semanas. O aumento de internações de jovens com idade entre 30 e 50 anos e sem doenças prévias preocupa as autoridade sanitárias.
“O aspecto clínico dos pacientes é diferente daquele que víamos na 1ª onda. Antes eram idosos e portadores de doenças crônicas, o que chamamos de comorbidade. Hoje é de 60% mais jovens, na faixa de 30 a 50 anos, sem doença prévia. E o tempo que estão ficando na UTI é maior. Tínhamos antes média de 7 a 10 dias de internação, agora está em 14 a 17 dias de internação no mínimo em UTI”, disse o secretário de Saúde do Estado de São Paulo, Jean Gorinchteyn, no início de março deste ano.

Relato na íntegra

Tem sido muito cansativo o trabalho no hospital. Essa semana foi muito F&%#! Para entender a rotina de trabalho no hospital, a tarde e fim de semana eu fico com mais 1 colega gerenciando 3 andares do hospital, com aproximadamente 60-70 pacientes COVID, praticamente todos precisando de oxigênio, e cada vez mais pacientes precisando de cuidados dados em uma UTI. Claro que contamos com vários residentes, mas ainda assim é muito puxado. A gravidade dos pacientes tem só subido nas últimas semanas. Cada vez doentes mais graves e complexos.
Mas apesar da guerra que estamos vivendo, temos que achar forças e tempo para sermos humanos e pacientes.
Domingo tive um caso de COVID muito grave numa mulher jovem, 29 anos, mãe de 3 filhos. Era necessário colocá-la na ventilação mecânica. Quando falei para ela isso, ela ficou com muito medo, desesperada. Tentei confortá-la, dizendo que era o melhor a ser feito e a única possibilidade para ela continuar sua luta pela vida. Antes de sedá-la ela me pediu que se não conseguisse tirar o tubo dela, que era para não a acordar, pois não queria mais sofrer…muito triste. Fizemos o possível, mas ela infelizmente não acordou…chorei após a partida dela. Mas agradeci à Deus que antes da intubação, liguei para a mãe dela para que se despedissem. Estava com muita pressa pois tinha outras 100 coisas para fazer, muitos pacientes para avaliar, mas como pensei que aquele podia ser o último momento das duas, achei que era o melhor a ser feito. Fiquei uns 15 minutos ali a esperando falar tudo o que queria para a família! Até considerei deixar a mãe vir ao hospital, mas como isso poderia demorar muito tempo, e a paciente estava muito mal, tive que desistir (detalhe, ela só conseguiu falar ao telefone, pq temos um equipamento novo, chamado cateter nasal de alto fluxo que consegue entregar até 60L/minuto de oxigênio em alta concentração pelo nariz, deixando a boca livre).
Foi triste, muito triste…mas teria sido muito pior se não tivesse dado esses 15 minutos para ela e a família se falarem pela última vez. Cada vida, das 300 mil perdidas pela COVID tem um significado único e insubstituível na vida de alguém! Nunca devemos nos esquecer disto!
 

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