02/10/2017 às 14h06min - Atualizada em 02/10/2017 às 14h06min

Dr. Felipe Batistela da entrevista ao JCN e explica sobre o TDAH

Isaele Machado - JCN
Ilustrativa
Tendo em vista o grande número de crianças diagnosticadas com TDAH em todo país e inclusive na cidade de Siqueira Campos, o JCN fez uma matéria exclusiva com o médico Doutor Felipe Batistela (médico em Siqueira Campos), que constantemente se atualiza sobre o assunto.
Doutor Felipe, o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH)
JCN - O TDAH é uma doença nova?
Dr. Felipe: Não. Há descrições de crianças com sintomas de desatenção e hiperatividade há mais de 200 anos, sendo Alexander Crichton (1763-1856) o primeiro a descrevê-las.  No entanto, apenas em 1955, após a criação do Metilfenidato  -popular Ritalina ®- é que o TDAH começou a ser mais conhecido.
 JCN - O que é e o que causa o TDAH?
Dr. Felipe:  O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade é um distúrbio neurocomportamental associado a causas genéticas e ambientais. Um estudo realizado com gêmeos, publicado na revista Lancet em 2005, mostrou uma taxa de herdabilidade de 75% para o TDAH, o que reforça a hipótese da vulnerabilidade genética, de uma pequena falha no DNA de uma pessoa contribuir para o aparecimento do TDAH. Isso somado a fatores de risco ambientais como exposição de grávidas ao álcool, cigarro, infecções virais, chumbo e corantes alimentares, e bebês a prematuridade e ao baixo peso ao nascer aumentam o risco de se ter TDAH.
 JCN - A Hiperatividade é um transtorno comum na população?
Dr. Felipe: Sim. O Brasil tem 2 dos mais importantes pesquisadores do mundo sobre TDAH: Dr° Guilherme Polanczyk e Dr° Luís Augusto Rohde. Em suas pesquisas, eles perceberam uma prevalência de 5,23% do transtorno entre as crianças, isto é, 5 a cada 100 apresentam o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Sendo 2,4 vezes mais comum entre meninos do que entre meninas. Entre adolescentes, a prevalência é um pouco maior: 5,8%. Ademais, os estudos mostram que cerca de 50% das crianças e adolescentes que apresentam TDAH continuam com sintomas na idade adulta.
 JCN - Existem subtipos de TDAH?
Dr. Felipe: Sim. Há 3 subtipos: o DESATENTO, cerca de 20 a 30% dos pacientes e mais comum entre meninas; o HIPERATIVO, 15 % dos pacientes, mais comum entre meninos; e o MISTO (desatento + hiperativo), de 50 a 75% dos pacientes. Também, podemos dividir de acordo com a gravidade: LEVE, MODERADO E GRAVE.
 JCN - Quem tem TDAH pode ter alguma outra doença psiquiátrica?
Dr. Felipe: Sim. Cerca de 70% dos pacientes com TDAH tem outro transtorno psiquiátrico associado. Os principais são: Transtornos Ansiosos (presentes em 34% dos pacientes com TDAH), Transtorno Desafiador Opositor (40%), Transtorno de Conduta (14%), Transtorno de Tiques (11%) e Transtorno de Humor (Depressão e Bipolaridade presentes em 4% dos pacientes com TDAH). Nos casos onde o paciente apresenta TDAH e o outro transtorno, é muito importante o tratamento de ambos para haver uma boa resposta.
 JCN - Existem exames que o paciente pode fazer para descobrir se tem TDAH?
Dr. Felipe: Não. Esse tipo de transtorno não aparece em exames de sangue, em ressonância, em tomografia e em eletroencefalograma. O diagnóstico depende de avaliação médica, a qual verificará quantidade de sintomas de desatenção e/ou hiperatividade, tempo de duração desses sintomas (mais de seis meses), ocorrência dos sintomas nos mais diversos ambientes onde a criança fica ao logo do dia e gravidade desses sintomas. Existem testes psicológicos que reforçam esse diagnóstico.
 JCN - O que acontece se os pais não levarem seus filhos para tratamento?
Dr. Felipe: Uma vez que exista a suspeita de uma desatenção ou de uma agitação muito intensa na criança, adolescente e até mesmo no adulto, é importante procurar um médico para avaliar se isso chega a ser um transtorno ou não. Após realização do diagnóstico, o tratamento deve ser feito corretamente. Pais que negam a alteração no comportamento de seus filhos e não os tratam, os colocam sob risco de prejuízo escolar, rejeição social, problemas de conduta, conflitos interpessoais, desemprego e uso de drogas. Os pacientes não tratados tem mais chance de abandonar a escola pois não conseguem aprender e se sentem menos inteligentes que os outros e, frequentemente, são alvos de brincadeiras de mal gosto; o adolescente hiperativo tende a respeitar menos os pais e autoridades, envolvem-se mais facilmente com comportamentos perigosos como agressões e uso de drogas; também tem muita dificuldade em manter relacionamentos e empregos.
 JCN - O TDAH tem cura?
Dr. Felipe: Sim. Como ele está associado ao desenvolvimento mais lento de áreas do cérebro que controlam a atenção e os impulsos, por volta dos 30 anos essas áreas completam o desenvolvimento, mesmo que de forma lenta. O problema é que o prejuízo de viver 30 anos com TDAH não é recuperado  após esse tempo, pois o paciente não tratado perdeu os anos mais importantes da vida de um ser humano devido os problemas gerados pelo transtorno. São nesses anos que a pessoa faz a maior parte de seus estudos, escolhe uma profissão, encontra um parceiro definitivo e se casa. Alguém com TDAH, dificilmente consegue cumprir essas etapas e fica tão estigmatizado pela sociedade que, mesmo após seu cérebro encontrar a cura aos 30 anos de idade, fica tarde de mais para mudar a impressão que todas as pessoas têm desse paciente.
 JCN - É verdade que a Ritalina ® vicia?
Dr. Felipe: NÃO. O metilfenidato, popularmente conhecido pela marca Ritalina®, é um dos possíveis tratamentos medicamentos para o TDAH e o mais efetivo. Entretanto, o efeito da medicação dura em média 4 horas, após o término desse efeito, o paciente não entra em estado de abstinência, não desenvolvem mecanismo de tolerância, isto é, não necessidade de tomar doses cada vez maiores para se ter o mesmo efeito. Portanto, a Ritalina® não vicia.
 JCN - Porque tantas pessoas acham que vicia?
Dr. Felipe: Várias são as hipóteses. Por preconceito, pois obtém informação sobre a medicação em meios não confiáveis, como jornais, revistas e programas não especializados no assunto; por falta de orientação na escola; por perceber que quando o filho chega em casa ele está agitado e desatento do mesmo jeito, o que é normal pois a medicação foi desenvolvida para funcionar apenas no período escolar; por haver o aumento da dose da medicação ao longo dos anos, o que é normal pois a criança geralmente começa usar o remédio com 6 anos de idade e ao crescer e ganhar peso, é natural realizar o ajuste da dose.
 JCN - Quais são os efeitos colaterais mais comuns da Ritalina®?
Dr. Felipe: Os mais comuns são irritabilidade, perda de apetite, dor de cabeça, alteração no sono e perda de apetite. Geralmente, após um mês de tratamento, os poucos pacientes que apresentam esses efeitos se adaptam com a medicação e desfrutam apenas dos efeitos positivos. Daí a importância do acompanhamento médico para avaliar até onde vale a pena manter determinado remédio ou fazer a substituição. Ademais, os pacientes pioram quando tomam apenas a Ritalina® e não tratam outro transtorno psiquiátrico que apresentam juntamente com o TDAH, algo que ocorre em 70% das vezes, como já comentado.
 JCN - É verdade que existem muitas pessoas que tomar essa medicação para fazer prova, mesmo sem ter TDAH?
Dr. Felipe: Infelizmente é verdade. Um médico ético e atualizado nunca passaria essa medicação para quem não tem TDAH. Mas o comércio ilegal dessa substância acontece. E quem a usa se engana por achar que ela funciona, pois de tanto acreditar que ao tomar o remédio ficará mais concentrada, a pessoa automaticamente fica um pouco mais atenta por mérito dela, mas atribui a medicação. Isso gera uma dependência psicológica do remédio, pois o usuário se sente inseguro caso não o tome, fica mais ansioso e tem o rendimento reduzido. Um estudo realizado por pesquisadores de Harvard mostrou que não houve diferença no rendimento de pessoas que usam a Ritalina® sem ter TDAH. Portanto, este usuário gasta com remédio sem precisar, corre o risco de efeitos colaterais sem necessidade e corre risco de desenvolver uma dependência psicológica.
 
JCN - Existem outros tratamentos para o TDAH?
Dr. Felipe: O tratamento para o TDAH deve ser feito em parceria com outros profissionais para que surta mais efeito. Precisa da participação da família, da escola, da prática de um esporte e de medidas psicopedagógicas e psicofarmacológicas (remédio). Infelizmente, isso não é feito por diversos fatores. Primeiro que não é barato pagar ao mesmo tempo a medicação, o médico, o psicólogo e outros profissionais. Segundo que o paciente com TDAH deveria estar em uma sala de aula com menos alunos para potencializar sua atenção e diminuir sua inquietação, porém, o que vemos são escolas superlotadas onde muitas vezes um professor precisa controlar uma sala com mais de 40 alunos. Terceiro que alguns pais ficam com receio de dar a medicação e mentem ao afirmar que deram o remédio ao filho; outros já acham que fizeram muito em dar o remédio e, além de não educar seus filhos em casa, ainda usam a desculpa de que o filho dá problema na escola porque é doente, sendo que na verdade a criança e o adolescente refletem comportamentos agressivos e desrespeitosos aprendidos em casa.
 Portanto, para os pais que tem filhos excessivamente desatentos ou agitados, é extremamente importante procurar ajuda profissional para avaliar a possível existência de um transtorno. Também é importante participar mais da vida escolar de seus filhos, evitar atitudes preconceituosas e dedicar mais tempo para os educar em casa, ensinar princípios morais para o desenvolvimento do caráter e do respeito ao próximo. Esperar 30 anos para que esse transtorno seja naturalmente curado, é negligência e um grande agravo a vida de quem você tanto ama: seu filho!
 

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