12/01/2020 às 12h59min - Atualizada em 12/01/2020 às 12h59min

PM acusado de chefiar milícia distribuía presentes e foi premiado por batalhão

Sargento distribuía presentes para crianças no Natal

- RAFAEL SOARES
Em outubro de 2015, uma cerimônia no 12º BPM (Niterói) homenageou policiais da unidade que se destacaram pelos “serviços prestados à população”. Entre os agraciados, havia quatro integrantes de uma das unidades do Patrulhamento Tático Móvel (Patamo, no jargão policial) de Maricá, Região Metropolitana do Rio. Todos posaram para uma foto com o comandante da unidade à época, coronel Fernando Salema — atualmente deputado federal. O mais sorridente na imagem é o chefe da patamo, sargento Wainer Teixeira Junior.
Hoje, Teixeira está preso. Segundo a Polícia Civil, quando não patrulhava fardado as ruas de Maricá, o PM chefiava a milícia que domina a cidade e é investigada por uma série de assassinatos — que já vitimaram jornalistas e um vereador. O grupo também tem o monopólio da segurança privada e da venda de cestas básicas, além de manter laços fortes com políticos locais.
A milícia é implacável com traficantes e consumidores de drogas. No entanto, na primeira vez que o sargento foi preso, em junho de 2017, a Polícia Civil o acusou de receber propina justamente do tráfico, quando servia no 7º BPM (São Gonçalo), até 2016. Na época, o sargento era um dos PMs lotados na base da PM no Jardim Catarina, acusados, após investigação da Delegacia de Homicídios (DH) de Niterói, de receber R$ 7,5 mil mensais para deixar de coibir o tráfico.
O sargento ficou menos de um ano preso: logo ganhou o benefício da prisão domiciliar. Quando voltou para casa, Wainer queria retomar o território. Segundo a denúncia do Ministério Público que o levou novamente à prisão, em setembro de 2018, o sargento deu ordem para matar antigos comparsas, “acusando-os de traição por não repassarem o dinheiro arrecadado com a segurança durante a prisão”. Os milicianos ameaçados escaparam da morte ao se aliarem a um outro grupo paramilitar.
Para a população local, entretanto, o sargento se vende como um benfeitor: em época de Natal, antes da prisão, ele saía numa picape, com gorro de Papai Noel, distribuindo presentes para crianças pela cidade. “Gestos valem mais do que palavras”, escreveu o PM em fotos postadas em redes sociais com crianças no colo.
Monopólio da segurança
Além de lucrar com a cobrança de taxas de segurança a comerciantes, a milícia comandada por Wainer também explora o serviço de vigilância e segurança privada de maneira legal: desde 2012, o sargento é dono da empresa Equipe W — uma referência à inicial do seu nome — que presta serviço de “monitoramento 24 horas, câmeras com sensor de presença e alarmes”.
Em anúncios postados em redes sociais, a firma alardeia que “a criminalidade tem aumentado muito, principalmente na nossa região” e promete um trabalho feito “com o apoio dos policiais locais”. A propaganda também afirma que a empresa tem “o menor preço da região”. Segundo a Polícia Civil e o MP, os melhores preços são fruto da ação da milícia: o grupo, segundo a denúncia que terminou com a decretação de prisão de cinco de seus integrantes, “cobra 20% do valor arrecadado por seguranças avulsos em localidades onde a segurança irregular não é fornecida diretamente pela milícia, como Inoã e Itaipuaçu”.
A quadrilha também tem o controle de condomínios do programa “Minha casa, minha vida” na cidade. Em março de 2018, cinco jovens foram executados dentro de um dos conjuntos. De acordo com a investigação da polícia, João Paulo Firmino, comparsa de Wainer preso pelos crimes, gritou para moradores antes dos disparos: “Entra todo mundo, por aqui é a milícia, vou acabar com a bagunça do condomínio”.
Aspirações políticas
Wainer foi candidato a vereador em Maricá em 2012, mas recebeu 171 votos e não foi eleito. Quatro anos depois, tentou concorrer novamente ao mesmo cargo, mas foi considerado “inapto” pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ) por não ter prestado contas de sua campanha anterior. Mesmo sem poder participar do pleito, o rosto do sargento não saiu dos santinhos que circularam pela cidade: cartazes com o rosto do PM, a inscrição “Wainer indica” e candidatos a prefeito e vereador podiam ser vistos em Maricá durante as eleições de 2016. Os dois postulantes indicados pelo agente foram eleitos.
Conversas telefônicas de integrantes do bando interceptadas pela Polícia Civil escancaram o projeto político da milícia. No diálogo, um dos comparsas de Wainer trama com um policial civil lotado na delegacia de Maricá, a 82ª DP — investigado por ligação com a milícia — um encontro entre moradores de Inoã, um distrito do município, e dois candidatos a deputado federal e estadual nas eleições de 2018.
Mortes em Maricá
Atualmente, a milícia é alvo de um inquérito da DH de Niterói que investiga os homicídios dos jornalistas Robson Giorno, do jornal “O Maricá”; Romário Barros, do Lei Seca Maricá; do vereador Ismael Breve e do filho dele, Thiago Marins.
Em dezembro, uma operação da especializada cumpriu 39 mandados de busca e apreensão em endereços relacionados à milícia, dentro do inquérito que apura os assassinatos. Ao todo, são investigados um policial civil e cinco PMs.
O inquérito ainda investiga laços da milícia com a 82ª DP. Um informante da distrital é considerado a conexão dos agentes com o bando. O ex-comandante da companhia destacada do 12º BPM em Maricá, capitão Marcelo Barreto, que era chefe de Wainer, também foi o alvo de um dos mandados de busca. O EXTRA não localizou a defesa do sargento.
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