26/12/2019 às 15h09min - Atualizada em 26/12/2019 às 15h09min

País das massas, Itália vive uma guerra pelo melhor biscoito de avelã

- JORNAL EXTRA
Na imaginação popular, a Itália é um país de tomates maduros, massas frescas, azeite virgem e outros itens básicos da dieta mediterrânea. Na prática, italianos cada vez mais corpulentos — especialmente as crianças — estão unidos por uma fome insaciável de lanches.
O consumo de biscoitos no café da manhã por crianças e adultos está cada vez mais comum. Os corredores do supermercado estão cheios de biscoitos e lanches para o café da manhã, chamados merendine, de modo geral, miniaturas industrializadas de tortas e bolos tradicionais italianos. Um mercado disputado pelas gigantes do setor.
Após dez anos de pesquisa e um investimento de US$ 133 milhões em pesquisa e desenvolvimento, o Nutella Biscuits chegou as prateleiras italianas mordendo uma fatia do mercado do tradicional Pan di Stelle Biscocrema, famosa por seus biscoitos redondos de cacau pontilhados com 11 estrelas de açúcar branco.
A guerra entre os cookies é tão forte que chegou a política. O líder populista Matteo Salvini postou uma foto sua em um supermercado dividido entre Pan di Stelle e Nutella Biscuits. Isso depois de ter jurado temporariamente o biscoito Nutella, quando descobriu que eles eram, em parte, feitos com avelãs turcas.
E quando o governo considerou criar um imposto sobre o açúcar embutido nos lanches este ano, o populista rival do país, Luigi Di Maio, ministro das Relações Exteriores e líder do Movimento Cinco Estrelas, fez uma forte oposição. O resultado é que o orçamento aprovado, na última segunda-feira, inclui o imposto sobre o açúcar, mas aplica-se apenas aos refrigerantes, isto para entender a importância dos biscoitos no mercado italiano.
Filosofias diferentes
A batalha de biscoitos de Natal entre duas pedras culturais e culinárias italianas, Pan di Stelle e Nutella, e suas empresas controladoras, as gigantes de massas Barilla e a de chocolates Ferrero, atinge a aorta italiana.
Quando se trata de Barilla e Ferrero, pode haver uma guerra. É uma competição entre os últimos gigantes da comida da Itália que permaneceram italianos — disse Michele Boroni, especialista em marketing de Milão.
A guerra civil, com filosofias concorrentes em saúde, desmatamento, liberdade e preenchimento de creme, tem raízes no boom do pós-guerra.
O site Merendine Italiane, uma autoridade em lanches italianos, relata que o primeiro lanche italiano foi uma versão em miniatura do bolo de Natal Motta Panettone nos anos de 1950.
Em 1964, o cenário de junk food italiano e global foi transformado por Michele Ferrero, que criou Nutella. Em 1984, a propagação do creme de cacau e avelã permeava a cultura italiana, aparecendo até no filme "Bianca", de 1984, no qual Nanni Moretti, o querido diretor da esquerda italiana, come nu em um barril de Nutella na altura dos ombros. Uma ode a Nutella, escrita principalmente em porco latino ("Nutella Nutellae"), vendeu 1,5 milhão de cópias desde que foi publicada em 1993.
No entanto, o mercado de biscoitos de café da manhã foi encurralado por Barilla e sua subsidiária de promoção de valores familiares, o pão branco, Mulino Bianco, cujo nome se tornou, na Itália, sinônimo de perfeição nos livros de histórias.
Em 1983, introduziu Pan di Stelle como biscoitos de chocolate para o café da manhã e adquiriu uma legião de fãs. Silvia Proserpio, 41 anos, designer gráfica em Milão, come todos os dias no café da manhã e às vezes depois do almoço.
É tudo sobre as estrelas — disse ela — As estrelas fazem você pensar em algo bonito, espaço sideral ou sonho.
Na maior parte do tempo, as duas empresas respeitavam as fronteiras umas das outras. A relação azedou, em janeiro de 2018, quando a Barilla introduziu frascos de Pan di Stelle Crema, uma mistura feita de "100% de avelãs italianas e chocolate 'onírico'", segundo o comunicado da empresa.
Guerra tem consequências ambientais
A Ferrero não estava disposta a deixar o ataque sem resposta. E aumentou as apostas no início de 2019, atravessando silenciosamente a fronteira italiana e testando os biscoitos Nutella em outros países. Em abril, lançou o biscoito na França para começar a espalhar agitação e demanda entre os italianos que vivem e viajam para o exterior.
Este é o nosso modus operandi — disse Claudia Millo, porta-voz da Nutella.
A empresa foi "comendo" o mercado pelas beiradas para chegar, em novembro, com os biscoitos de Nutella em grande estilo à Itália, com uma vultuosa campanha publicitária, com anúncios em estações de metrô, na televisão, na principal estação ferroviária de Roma.
A estratégia foi um enorme sucesso. A Nutella vendeu 5,9 milhões de caixas de biscoitos nas primeiras quatro semanas, segundo a IRI, uma empresa de dados de vendas.
Um mês depois, Pan di Stelle respondeu, com o lançamento do Pan di Stelle Biscocrema em Milão, a nova versão do biscoito é coberta com uma estrela sólida feita de creme.
Eles são uma jóia, uma obra de arte — disse Julia Schwoerer, vice-presidente da divisão de marketing Mulino Bianco e Pan di Stelle.
Mas Barilla, que investiu em uma fundação dedicada à sustentabilidade ambiental e a melhorar nutrição, quer deixar claro que os biscoitos são guloseimas ocasionais, não pão diário.
Isso deve ser apenas uma pequena parte de sua dieta geral — disse Luca Di Leo, chefe de relações com a mídia da empresa. — É por isso que é um pacote pequeno."
Ao contrário da abordagem de racionamento de dois biscoitos de Pan di Stelle, Nutella oferece uma sacola inteira e basicamente aposta que você não pode comer apenas uma.
Barilla promoveu sua rejeição ao óleo de palma, uma gordura saturada que também provocou um desmatamento devastador. Nutella sabe que você gosta.
Segundo os ambientalistas italianos, a guerra entre as duas gigantes do setor de alimentos, vitimou a biodiversidade do país, diante da expansão do plantio de avelãs.
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