05/11/2019 às 15h40min - Atualizada em 05/11/2019 às 15h40min

Além da sede: boca seca é causada por remédios, diabetes e até depressão

uol.com.br - Cristina Almeida
Boa hidratação, dieta que estimule a mastigação e medicamentos estão entre as estratégias para tratar a boca seca - Imagem: iStock
Dá para entender porque Hipócrates foi seguido pelos médicos de todo o mundo, até os anos 1800. Desde o século V a.C. ela afirmava que o corpo tem uma sabedoria própria. Isso explicaria a sincronia do funcionamento orgânico que garante a boa saúde. E desse sistema perfeito nada escapa, nem mesmo a saliva. Quando a boca fica seca, um desequilíbrio orgânico se estabelece: você não só perde a proteção contra cáries, como também prejudica a sua digestão, a fala e ainda abre as portas para doenças sistêmicas e locais.
 
A expressão boca seca geralmente é a forma subjetiva como as pessoas relatam ao dentista a falta de lubrificação bucal. Porém, entre os especialistas, o termo utilizado para definir esse estado é xerostomia, hipossialia ou hipossalivação —estejam ou não presentes a redução do fluxo ou da quantidade de saliva. Um estudo sobre a prevalência dessa condição no mundo todo concluiu que um em cada quatro pessoas tem o problema, sendo ele mais comum entre os idosos. Os dados foram publicados no periódico Brazilian Dental Journal.
 
Para que serve a saliva?
A saliva tem papel importante no equilíbrio do corpo e possui muitas funções. Uma delas é o auxílio da digestão. Além de ajudar na formação do bolo alimentar, a secreção é composta por enzimas que provocam a degradação do amido (carboidrato), dando início ao processo digestório. A saliva também contém um antiácido que protege a mucosa bucal, bem como anticorpos que evitam a entrada de bactérias no organismo e ainda mantêm lubrificados os dentes e as gengivas. Para quem usa prótese, ela atua como fator de retenção.
 
Por que a boca fica seca
Denise Tibério, presidente da Câmara Técnica de Odontogeriatria do CROSP (Conselho Regional de Odontologia de São Paulo), diz que a boca seca tem muitas causas, mas as principais são efeitos colaterais de medicações de uso contínuo e a respiração pela boca, comum em quem tem dificuldade de inspirar e expirar pelo nariz.
 
Além disso, a radioterapia ou a quimioterapia para câncer de boca se destacam, já que afetam as glândulas produtoras da saliva. Veja a seguir as possíveis origens dessa queixa:
 
Alterações emocionais (ansiedade e depressão);
Doenças crônicas (diabetes, hipertensão etc.);
Pessoas vivendo com HIV
Medicamentos (alguns hipertensivos, diuréticos, antialérgicos, ansiolíticos etc.);
Número total de medicamentos (fármacos diferentes usados ao mesmo tempo);
Deficiências vitamínicas;
Tabagismo;
Doenças autoimunes (Síndrome de Sjögren; artrite reumatoide, lúpus).
 
Quem está mais suscetível ao problema?

A xerostomia é mais comum entre os idosos, especialmente porque, com o envelhecimento, ocorrem modificações naturais na cavidade oral. Além disso, esses indivíduos geralmente integram o grupo dos que fazem uso contínuo e combinado de muitos fármacos. Pessoas que respiram pela boca e pacientes que estejam sob tratamento radioterápico, igualmente, precisam ficar atentos.
 

Como saber se você tem boca seca?
Embora pareça fácil identificar essa condição, muitas pessoas não percebem a redução da saliva e estima-se que, até chegar ao dentista, podem ter perdido metade de sua produção salivar. Os sinais que você pode observar são:
 
Sensação de secura ou dor de garganta;
Lábios ressecados ou rachados;
Pequenas lesões na mucosa da boca;
Língua seca, vermelha e dolorosa;
Saliva pegajosa, grossa ou espumosa;
Pele rachada nos cantos da boca;
Mau hálito;
Dificuldade para falar;
Sensação de paladar alterado;
Dificuldade para engolir alimentos, especialmente os secos;
Infecção fúngica na boca, como candidíase;
Aumento da placa bacteriana, cáries e gengivite;
Dificuldade para mastigar e engolir;
Desnutrição, especialmente entre os idosos.
 
Quais são as consequências da falta de saliva?

"Além do prejuízo das funções digestiva, protetora contra doenças [locais e do corpo todo], e facilitadora do sistema da fala, o ressecamento da boca, a depender de sua gravidade, leva ao desconforto social", explica Soraya de Azambuja Berti Couto, cirurgiã-dentista, especialista em estomatologia e professora do curso de odontologia da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).
 
A especialista relata que é comum que ocorram alterações no hálito, na forma de falar e até comer, condições que fazem que a pessoa evite o convívio com amigos e parentes, levando-a ao isolamento.
 
A hora de procurar ajuda especializada
Pessoas que convivem com problemas crônicos e fazem uso contínuo de medicamentos, já a partir do diagnóstico de suas respectivas doenças, devem ser orientados a procurar um dentista para avaliação e acompanhamento periódico. Isso porque o tratamento da boca seca é mais eficaz quando feito de forma integrada.
 
As visitas ao dentista devem ser regulares e menos espaçadas, especialmente na idade madura. Todo cirurgião dentista é capaz de identificar o problema e fazer o diagnóstico.
 
O que esperar da consulta
Para definir o diagnóstico, o dentista fará o levantamento do histórico pessoal do paciente, o que inclui informações médicas e sociopsicológicas, e ainda fará o exame clínico, examinando a cavidade oral, o que inclui a prática de técnicas específicas, como a massagem das glândulas salivares.
 
Exames complementares podem ser solicitados, e incluem a sialometria, que mede o volume de saliva em determinado período de tempo, ou mesmo testes sanguíneos que possam mostrar alguma deficiência vitamínica ou a presença do diabetes, por exemplo.
 
Caso haja suspeita de doença autoimune, o dentista também poderá sugerir uma biópsia.
 
Como tratar a boca seca
Não existe cura para a xerostomia, mas a depender da gravidade e da causa dela, os tratamentos são variados e ajudam a aliviar o desconforto. Casos simples se resolvem com a melhora na hidratação. Se a origem da queixa for o diabetes, por exemplo, a estratégia será tratar a doença de base com um endocrinologista, com o apoio do dentista.
 
Para algumas pessoas, mudanças na dieta também serão úteis, e o auxílio de um nutricionista pode acelerar a adoção de hábitos mais saudáveis que abram espaço para o consumo de alimentos estimulantes da mastigação, como a maçã e a carne. Até o consumo de balas e gomas de mascar sem açúcar pode ser uma opção, desde que haja monitoramento especializado. A recomendação só não vale para os idosos, dado o risco de engasgos e porque podem usar próteses.
 
Quando o tratamento é medicamentoso, ele visa estimular a glândula salivar. Repositores de saliva são a opção disponível. Eles criam uma "saliva artificial" que traz alívio. Francisco Octávio T. Pacca, mestre e doutor em diagnóstico bucal e estomatologia pela USP (Universidade de São Paulo), cirurgião bucomaxilofacial e estomatologista da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) esclarece que já existem até alguns laboratórios especializados em pacientes com xerostomia, que manipulam esse tipo de medicamento na forma de spray, saliva artificial e cremes dentais que garantem umidade, e a sua manutenção, por períodos prolongados.
 
Dá para prevenir a boca seca?
Não há muitas formas de prevenção da boca seca porque ela tem causas variadas. Contudo, você pode adotar as seguintes estratégias para aliviar o desconforto e prevenir infecções ou doenças bucais ou sistêmicas.
 
Faça visitas regulares ao dentista. Se você for idoso, reduza o espaço entre uma consulta e outra;
Capriche na higiene bucal e não descuide do uso do fio dental;
Acostume-se a escovar a língua;
Mantenha-se hidratado. A quantidade varia de pessoa para pessoa, mas a sugestão é consumir cerca de 2,5 litros de água ao dia;
Aumente a frequência da mastigação com a ajuda de gomas de mascar sem açúcar. Contudo, essa providência não é indicada a idosos ou quem faz uso de próteses;
Evite fumar;
Reduza o consumo de cafeína e álcool;
Use bálsamo labial.

 
Fontes: Soraya de Azambuja Berti Couto, cirurgiã-dentista, especialista em estomatologia e professora do Curso de Odontologia da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná); Francisco Octávio T. Pacca, mestre e doutor em Diagnóstico Bucal e Estomatologia pela USP (Universidade de São Paulo) e cirurgião bucomaxilofacial e Estomatologista da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente); Denise Tiberio, presidente da Câmara Técnica de Odontogeriatria do CROSP (Conselho Regional de Odontologia de São Paulo). Revisão técnica: Francisco Octávio T. Pacca.
 
Referências: Bernardo Antonio Agostini ET alli. How Common is Dry Mouth? Systematic Review and Meta-Regression Analysis of Prevalence Estimates. Brazilian Dental Journal. 2018; Odha (Ontario Dental Hygienists Association); cda. (California Dental Association); AAOM (The American Academy of Oral Medicine).

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