28/10/2019 às 11h32min - Atualizada em 28/10/2019 às 11h32min

Com as mudanças no trabalho, o diploma tem futuro?

Aprender uma nova profissão no século XXI não é óbvio: entenda os principais desafios

- LEANDRO HERRERA
Até o século XXI, modelos tradicionais de educação acadêmica vinham atendendo bem às necessidades de formação e desenvolvimento de profissionais para o mercado de trabalho. A cada dia que passa, fica claro que este modelo que funcionou tão bem na era industrial será insuficiente para o futuro do trabalho - e as mudanças no mundo da educação já estão em marcha.
A primeira mudança tem a ver com o caminho do conhecimento: se antes as pessoas aprendiam na universidade a maior parte do conhecimento necessário para aplicar no trabalho, hoje são os desafios que surgem no dia a dia do trabalho que ditam as novas disciplinas e campos de aprendizagem para as instituições de ensino integrarem rapidamente em seus currículos. Velocidade de adaptação é fundamental num contexto em que as competências mudam tão rapidamente.
O segundo impacto tem a ver com o aprendizado em si: modelos educacionais passivos e pouco adaptáveis ao ritmo e tempo das pessoas perderam eficiência e vêm gerando cada vez mais ansiedade e frustração no encontro do estudante formado com o mercado.
O que vale mais: dizer que fez ou mostrar que faz?
A principal força que vem puxando uma mudança estrutural na educação superior vem do mercado de trabalho: empresas que dispensam o diploma de graduação no momento da contratação, como o Nubank ou a Apple, vão deslocando pouco a pouco a ideia de que o diploma é a única credencial possível para entrada e ascensão no mercado de trabalho. Já é possível avistar um futuro em que terá mais importância a pessoa demonstrar determinados conhecimentos e competências do que provar como eles foram adquiridos.
Competências e cargos que não existiam há 5 ou 10 anos, como Cientista de Dados e User Experience Designer, hoje são os mais procurados por empregadores no mundo todo. E não vai parar por aí: o impacto da tecnologia no trabalho e nas profissões tende a aumentar exponencialmente. Até 2022, o processo de robotização de diversas tarefas tem o potencial de deslocar 75 milhões de empregos em todo o mundo, enquanto 133 milhões podem surgir - estes, mais adaptados a uma nova divisão do trabalho entre humanos, máquinas e algoritmos.
Instituições acadêmicas no mundo todo vêm sentindo essa mudança de paradigma. Nos Estados Unidos, país que registra mais de U$ 1,5 trilhão de dólares em débito estudantil, o declínio da demanda por MBAs já é uma realidade. No Brasil, o FIES acumula mais de R$ 13 bilhões em dívidas de estudantes que não conseguem arcar com as parcelas do financiamento.
Ou seja: estamos vivendo uma grande revolução na maneira como nos preparamos para o trabalho e como nos relacionamos com ele ao longo da vida - e para participar dessa revolução, precisamos nos libertar dos modelos tradicionais de educação.
Habilidades Transversais
Foi para falar sobre esse enorme desafio que fui convidado para participar do painel de educação digital no Fórum "The Future is Now: Transversal Skills in Latin America and the Caribbean in the 21st Century", do Banco Interamericano de Desenvolvimento (IDB). A ideia é apresentar a Tera e compartilhar um pouco do que aprendi nos últimos anos trabalhando com educação e tecnologia. Um dos objetivos do IDB é ajudar governos na América Latina em suas políticas de desenvolvimento, sabendo que, aqui, mesmo com investimento similar ao de nações mais desenvolvidas na educação, os resultados são bem inferiores.
O fórum, que aconteceu esta semana no Panamá, apresentou iniciativas de educação que têm potencial de transformar a força de trabalho na América Latina. Foi um encontro entre governos, instituições de ensino e empresas (especialmente de tecnologia) com a ambição de criar uma agenda conjunta para a evolução da região.
Trago aqui uma breve visão de duas dessas iniciativas que se apresentaram por lá e devem cada vez mais entrar no radar de quem precisa se preparar para o novo contexto do trabalho:
Minerva
A única coisa que conecta a Minerva a uma universidade tradicional é a duração do seu curso de graduação. Assim como a maioria dos cursos de bacharelado, na Minerva os estudantes passam 4 anos para pegar o diploma. Mas as semelhanças param por aí.
A jornada dos estudantes que começa em São Francisco (Estados Unidos) pode acabar em Seul (Coréia do Sul), Buenos Aires (Argentina) ou Hyderabad (India). A cada seis meses, todos os estudantes se mudam, juntos, para uma nova cidade, onde passam a se envolver com projetos de empresas, ONGs e governos locais. Em todos os lugares eles vivem juntos, no mesmo prédio - estimulando o senso de comunidade, respeito e diversidade.
Nesta altura, vale perguntar: como eles estudam? A resposta simples é que eles estudam online. Mas vai muito além do que pensamos sobre educação a distância. As aulas nunca são gravadas, sempre acontecem de forma síncrona e com todos os estudantes visíveis na tela. O professor ou professora passam o tempo da aula revisando e discutindo materiais que foram estudados com antecedência (textos, vídeos, artigos curados ou produzidos pela Minerva). Professores raramente falam ininterruptamente por mais de 5 minutos.
O currículo combina artes liberais e ciências, e todos os estudantes aprendem linguagem de programação logo no início da jornada, independente da especialização ou profissão que irão escolher. Estudar na Minerva é algumas vezes mais barato do que em uma instituição de ponta nos EUA - mas a concorrência para entrar chega a ser mais alta do que Harvard.
Holberton
Torne-se um engenheiro de software em 2 anos. É com essa proposta que a Holberton School se apresenta e atrai estudantes de todas as idades que têm o sonho de mudar de carreira e entrar na área de tecnologia. A demanda por engenheiros de software é altíssima em todo o mundo, o que torna os salários e benefícios muito atraentes. Dado a crescente digitalização de produtos e serviços, o céu é o limite para essa profissão.
Na Holberton, o estudante passa 9 meses imerso em desenvolvimento de competências base para a profissão - linguagens de programação, sistema Unix e tudo relacionado ao back-end de softwares - e tem a opção complementar o programa com duas trilhas, uma focada em habilidades para se colocar no mercado de trabalho e a outra para seguir uma especialização em temas como aprendizado de máquina, realidade aumentada e virtual.
Um ponto interessante do modelo da Holberton, que está ganhando mais atenção ao redor do mundo, é a ideia de Income Share Agreement (Acordo de compartilhamento de renda, em tradução livre) na qual o estudante não paga para estudar e começa a compartilhar um percentual do seu salário, uma vez com emprego. Embora seja um modelo que alinha completamente os interesses da escola com os do estudante, ele ainda está em fase experimental e seus resultados - principalmente sua viabilidade econômica para as escolas que o oferecem - são inconclusivos.
Aprendizado tem muitas formas
Mudar uma mentalidade tão interiorizada nas gerações que já passaram pelos modelos tradicionais de educação não é tarefa fácil. Mas é fundamental: precisamos nos libertar do paradigma "diploma = emprego" para nos adequar às exigências e transformações constantes do mercado impulsionado pela tecnologia digital.
Vale tudo nessa revolução: novos formatos de graduação, cursos adaptativos, ensino híbrido, novas linguagens e modelos mentais. Quem trabalha hoje com educação tem uma responsabilidade enorme nas mãos - e fará uma diferença fundamental para o futuro das pessoas nesse encontro entre mentes, emoções, algoritmos e robôs.
Com consciência e coragem, empreendedoras e empreendedores de educação seguem abrindo espaço para o novo.
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