02/05/2018 às 15h19min - Atualizada em 02/05/2018 às 15h19min

A sororidade virou uma prática comum no mercado de trabalho

Aqui, grupos de profissionais brasileiras de diferentes áreas contam como adotaram o conceito no dia a dia

vogue.globo.com - Marcia Disitzer
Na escada, de baixo para cima, o time da Hysteria: Carolina Albuquerque, Marina Franco, Isabel De Luca; sentadas, Isabel Nascimento e Anne Guimarães (Foto: Aaro Entertainment, B. Akerlund Music e Jonas Akerlund, Fernando Schlaepfer)
Ela só entrou para o Dicionário Houaiss no ano passado (e, ainda assim, apenas na versão digital), apesar de já ser usada há mais de 40 anos. Pela definição, sororidade “é o sentimento de irmandade, coletividade, união entre mulheres; conjunto de sentimentos e opiniões que as mulheres partilham como grupo”. O conceito vem ganhando força não só nas relações interpessoais, mas também no mercado de trabalho. Já passou da teoria para a prática entre publicitárias, youtubers, produtoras de conteúdo, diretoras de cinema, estilistas, figurinistas e até pintoras de parede.
 
E foi justamente o efeito transformador promovido por esse pacto feminista que serviu de base para a Shine Theory, expressão cunhada, em 2013, pela jornalista norte-americana Ann Friedman e pela estrategista digital, nascida na República da Guiné e radicada nos Estados Unidos, Aminatou Sow. “Nós sempre falávamos ‘eu não brilho, se você não brilhar’ como uma maneira de nos lembrarmos de que estamos no mesmo time. Passamos, então, a chamar de Shine Theory a ideia de que mulheres são mais fortes quando trabalham em conjunto e de que investir uma na outra é mais recompensador, inteligente e divertido”, conta Ann à Vogue. “Ao praticar a Shine-Theory, você começa a perguntar: Como podemos alcançar o que queremos?’ no lugar de ‘Como posso superar outras mulheres para conseguir um emprego melhor?’”, completou Aminatou. Ambas ressaltam a importância de existirem mulheres em cargos de liderança. “Além de ser inspirador, isso garante que as vozes femininas sejam ouvidas e dá a esperança de que algo será feito em relação a preconceitos que enfrentamos no trabalho.”
 
A teoria pregada por Ann e Aminatou é colocada em prática pelas integrantes da plataforma de conteúdo Hysteria, que nasceu em novembro passado dentro da Conspiração Filmes, uma das maiores produtoras do Brasil. “A criação da Hysteria partiu do desejo de ter uma plataforma pensada, criada, produzida e com curadoria de mulheres, sem estereótipos”, diz Renata Brandão, idealizadora e CEO. “O primeiro passo foi entender os espaços em que não nos sentíamos representadas, como nas propagandas de carro e nos filmes eróticos. E, então, formar um núcleo fixo de criação e também uma rede que compreende mais de 500 mulheres”, emenda ela. “É um conteúdo feito por nós, mas não necessariamente para e sobre mulheres”, explica a diretora criativa Carol Albuquerque. “O próprio negócio é baseado na sororidade. Vivemos diariamente conceitos como ‘uma sobe e puxa a outra’ e ‘juntas somos mais fortes’”, observa a jornalista Isabel De Luca, diretora editorial da plataforma.
 
A Hysteria também gera mais paridade no mercado audiovisual, já que além dos cargos de liderança, as mulheres ocupam funções técnicas, geralmente assumidas por homens. Prova disso foi Desnude, série erótica com dez episódios que reuniu cerca de 80 mulheres no set, de diretora de fotografia até contrarregra.
 

De cima pra baixo, Laura Costa, Pat Multedo e Mônica Cruz, da Kora Swim (Foto: Aaro Entertainment, B. Akerlund Music e Jonas Akerlund, Fernando Schlaepfer)

De cima pra baixo, Laura Costa, Pat Multedo e Mônica Cruz, da Kora Swim (Foto: Aaro Entertainment, B. Akerlund Music e Jonas Akerlund, Fernando Schlaepfer)


De cima pra baixo, Laura Costa, Pat Multedo e Mônica Cruz, da Kora Swim (Foto: Aaro Entertainment, B. Akerlund Music e Jonas Akerlund, Fernando Schlaepfer)
 
Também foi com uma equipe 100% feminina que a estilista Pat Multedo lançou a marca de beachwear Kora Swim há um ano. Na empresa instalada em uma casa no bairro do Joá, no Rio, trabalham lado a lado Pat, Laura Costa, responsável pela área comercial, a gerente de marketing Mônica Cruz e a designer Júlia Linhares, além de costureira, modelista e cortadora. As campanhas são sempre fotografadas por mulheres. “Conviver só com mulheres faz com que a gente exerça a empatia diariamente”, pondera Mônica Cruz.
 
Um episódio de racismo sofrido no ano passado pela rapper Stella Yeshua num shopping de São Paulo (onde ela estava com as amigas Samantha Cristina, Beatrice Oliveira e Carol Silvano, todas negras e com idades entre 25 e 38 anos) foi o responsável pela mudança na vida dessas quatro mulheres. “Estávamos na praça de alimentação e fui ajudar uma senhora que havia tropeçado com uma bandeja. Ela, então, se virou para mim e falou: ‘Comigo está tudo bem, só preciso que você limpe aqui’. Respondi: ‘Eu não trabalho aqui, quis apenas ajudar’”, conta Stella. As quatro amigas foram ao banheiro do shopping e gravaram um vídeo no qual relataram o caso com humor. “Viralizou. Decidimos, então, criar um coletivo com um canal no YouTube chamado Estaremos Lá”, lembra Bia. O primeiro vídeo, batizado de ‘Se é negro...tem que me servir?’, já tem mais de 40 mil visualizações. Também já participaram de uma campanha digital da Avon e produzem conteúdo para as redes sociais do coletivo, estabelecendo parcerias com marcas como Nike e Budweiser.
 
Já a empresária gaúcha Deb Xavier foi alvo de um comentário machista em 2012 quando era sócia de dois homens em uma empresa de tecnologia. “Tive que cancelar uma reunião por uma questão familiar e tanto os meus sócios quanto o cliente disseram que mulher mistura vida profissional com pessoal”, lembra. Apartir daquele momento ela sentiu necessidade de trocar informações, experiências e dicas de negócios com outras mulheres. Promoveu um primeiro encontro em um bar perto de sua casa, em Porto Alegre. “Postei no Facebook e apareceram quase cem”, diz. Foi assim que Deb fundou a Jogo de Damas, plataforma de comunicação e interação sobre empreendedorismo, carreira e negócios para mulheres, e passou a promover encontros em capitais do Brasil. “Parte do empoderamento feminino está vinculada à informação, às redes sociais e à democratização de conteúdo”, analisa Deb, graduada em relações internacionais e atualmente diretora de negócios internacionais de uma empresa de tecnologia norte-americana do setor automobilístico (Vai.Car). Ela também vai lançar este ano um livro sobre empreendedorismo feminino.
 
Defensora de maior participação das mulheres em postos de comando, a publicitária e empreendedora Gal Barradas foi uma das fundadoras da filial brasileira da agência de publicidade francesa BETC e ocupou o cargo de co-CEO por quatro anos. Gal lembra que 85% do poder de decisão de compra no mundo está em mãos femininas e que as mulheres ganham 82% dos salários dos homens. “Eu era contra as cotas femininas no trabalho. Até que Mercedes Erra, uma das fundadoras da agência BETC na França, me falou assim: ‘Se os homens lutam por 100%, qual o problema de a gente batalhar pelos nossos 50%?’”, finaliza.
 
Styling: Lucas Magno e Dora Bertoni

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