07/03/2018 às 10h53min - Atualizada em 07/03/2018 às 10h53min

O apressado come cru, queima a boca, engorda, tem diabete...

luciahelena.blogosfera.uol.com.br - Lúcia Helena
… e leitores apressadinhos, por sua vez, logo rebaterão: qual a novidade disso? Nenhuma, alguns dirão, mostrando-me os dentes afiados. Aliás, cá entre nós, eu mesma faria coro. E, veja, esse é exatamente o meu ponto: não é nova a ideia de que comer devagar é o certo. Ela é banal. E, talvez por ser banal, é um tanto difícil fazer alguém acostumado a engolir o alimento feito uma fera desacelerar o ritmo de suas garfadas.
 
A grande contradição com a qual sempre me deparo cobrindo essa área há tanto tempo é que as complicações em saúde muitas vezes aparecem porque esnobamos a simplicidade.
 
Eu lhe asseguro o seguinte: na busca de um corpo todo enxuto e de uma saúde de ferro, seguir aquela dieta inviável de tão fora da realidade, fazer um check-up mega bláster, correr atrás da semente-de-sei-lá-o-quê do outro lado do mundo e malhar horas e horas equivalentes a uma brecha de tempo que jamais se abre na agenda dos mortais, ah, isso tudo é para os fracos. Aos fortes, fica o desafio de mudar hábitos simples. Aqueles bem simples mesmo. O jeito de mastigar é um deles.
 
De tempos em tempos, surge um trabalho relacionando a mastigação afobada à obesidade. O último acaba de sair no British Journal of Medicine e é assinado por cientistas japoneses da Kyushu University. Durante longos cinco anos, eles foram avaliando 59.717 homens e mulheres que acionaram o seguro de saúde ao serem diagnosticados com diabete tipo 2 — aquele diabete tremendamente associado ao excesso de peso.
 
Toda essa gente recebeu um questionário recheado de perguntas sobre o seu estilo de vida e uma delas era a seguinte: você diria que come devagar, em uma velocidade normal ou apressadamente? A resposta foi confrontada com o IMC ou índice de massa corporal dos participantes e, ainda, com a medida de sua cintura.
 
Você já deve deduzir: a maioria dos obesos relatou que comia depressa demais. Enquanto aqueles mais magros diziam mastigar as refeições com relativa calma. Para os japoneses foi fácil concluir que triturar bem os alimentos com os dentes pode ser uma estratégia muito eficiente para diminuir o peso e os centímetros da cintura.
 
Não faltam críticas à pesquisa, é bem verdade. Uma delas: cada um dos quase 60 mil sujeitos respondeu o que bem quis. Ou seja, como saber se quem alegou comer devagar realmente mastigava sem a menor pressa? Mas nem por isso vamos desprezar o achado. Até porque os japoneses não são os únicos, nem os primeiros a apontar essa relação.
 
Acho mesmo que sempre surge uma inverstigação assim porque, lá no fundo, os cientistas não se conformam em não encontrar uma relação de causa e efeito entre a mastigação mal feita e a cintura alargada — o que há são apenas hipóteses.
 
Onde há fumaça há fogo, já diziam nossos pais e avós. Os mesmos pais e avós que, provavelmente, nos deram a bronca clássica: “coma devagar, menina” ou “mastigue direito, garoto.” Não deve ser coincidência: existem mais gordos na turma que mal dá uma garfada e imediatamente, sem nem respirar direito, já engole o bocado de comida, poupando os dentes da trabalheira.
 
Uma suspeita — como eu falei, inexiste uma explicação fechada — é aquela de que você ertamente ouviu alguém falar, a de que mastigar garantiria a saciedade. As terminações nervosas nos arredores dos dentes e nos músculos envolvidos nessa história enviam ao cérebro, em ínfima fração de segundo, a mensagem de que têm trabalho — leia, comida pra ser socada pela dentição. Enquanto barriga cheia demora até alguns minutos para enviar o mesmo aviso à cabeça. Talvez, a importância da mastigação na obesidade venha dessa agilidade que a região da boca tem para se comunicar com o sistema nervoso central, vai saber!
 
Há outras hipóteses mais sofisticadas, como a levantada por um estudo chinês publicado em 2011, no American Journal of Clinical Nutrition, mostrando que, quanto mais uma pessoa mastiga, mais o seu intestino reage liberando hormônios ligados à saciedade, como o GLP-1 — GLP1 que, note, também é bastante discutido no tratamento da obesidade. Eu repito: onde há fumaça…
 
Porém não se engane: todos os profissionais que comentaram o estudo japonês concordam que mastigar ligeiro é um dos hábitos mais difíceis de você arrancar de um cidadão. Mesmo quando a pessoa desacelera à mesa, ela tende a olhar para o lado, bater papo, aumentar os intervalos entre as garfadas, pegar no celular… Ou seja, até leva mais tempo comendo, mas não necessariamente mais tempo mastigando. Ok, já ajuda… Reparou nisso? Que mastigar devagar pra valer quase ninguém mastiga? Pois repare!
 
Ao colocar a comida boca adentro, ninguém presta muita atenção em mais nada. Vai no piloto-automático. Parece que já nascemos sabendo usar os dentes, antes mesmo de o primeiríssimo deles ousar rasgar a gengiva por volta dos 6 meses de idade. Sim, antes disso, porque treinamos os movimentos da mastigação nas primeiras goladas do leite materno — mais um ponto favorável ao aleitamento no peito. E, já bem crescidinhos, devoramos tudo sem dar tanta bola.
 
Existem pessoas que mastigam praticamente de um lado só e nem se dão conta. Aliás, uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo com 230 adolescentes, divulgada no ano passado, aponta que meninas com sobrepeso ou até mesmo obesas tinham essa tendência, digamos, unilateral.
 
Fui atrás de um expert no assunto, o ortodontista Flávio Cotrim, editor científico da revista da Associação Paulista de Ortodontia e diretor do Instituto Vellini, em São Paulo. Perguntei se mastigar de um lado só fazia algum mal. Ouvi, boquiaberta, que por mais que, na cadeira do dentista, as pessoas com esse hábito reclamem de dor muscular na face, até hoje não existiria — de novo os dentes aprontando um mistério!— pesquisa provando uma relação de causa e efeito. Nem sequer demonstrando pra valer que, por fazer o seu serviço usando apenas um lado da arcada, o resultado da trituração seria pior. O que se sabe, diz Flávio Cotrim, é que uma boca mal cuidada pode atrapalhar um bocado — um dente fora de lugar e uma restauração desgastada complicariam a tarefa de mastigar a comida.
 
Imagino que, talvez um dia, alguém aponte que ir ao dentista seja importante, ainda que indiretamente, para manter a boa forma. Ora, o que os hábitos mais simples de uma vida equilibrada nos ensinam é que está tudo interligado. Só que a gente finge engolir, sem digerir direito esse conceito.

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